Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Ética e moral

por Leo

Este post é uma resposta aos meus últimos posts sobre ética e valores ([1], [2] e [3]), sintetizando e relatando minhas últimas conclusões, que embora fossem imediatas demoraram para acontecer. Acho que finalmente encontrei a fonte da minha inquietação com este assunto, a minha procura por uma moral ideal me impedia de ver as coisas mais concretamente.

Para mim a ética tem 3 questões principais:

1. Como julgar ações e acontecimentos?
2. Como se conduzir em relação aos outros?
3. O que fazer com a própria vida, o que procurar?

Todos nós em algum momento da vida aprendemos o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é ruim, seja por instrução ou por experiência, afinal, para vivermos temos necessariamente que dar alguma resposta, ainda que parcial e precária, a essas 3 questões.

Creio que muitos de nós, eu incluso, são induzidos a uma concepção moral absoluta, à noção de que de existem certas coisas que são certas e outras que são erradas, de que certas coisas são boas e de que outras são ruins, como se fossem fatos da natureza, assim como as leis físicas, ainda que não saibamos ou discordemos da forma exata das tais leis morais. Talvez seja natural que pensemos assim, afinal, nascemos já numa sociedade cheia de noções de certo e errado e temos de aceitar estas noções da mesma forma que os fatos do mundo, já que não parecem sujeitas à mudança. Isto é fortificado pelas religiões e algumas filosofias, que propõem códigos de leis morais, e os justificam metafisicamente, seja por divindidades ou por algum tipo de necessidade racional.

Mas o que é a moral, de fato? Quando falamos que algo é certo, o que isto quer dizer? O que são estas leis? Onde elas estão?
E este foi meu insight tardio: a moral nada mais é do que a concepção e a conduta das pessoas, não é uma entidade abstrata ideal. A moral é o modo como cada indivíduo julga, decide e age. Dizer que algo é certo ou errado, é dizer que se concebe algo como certo ou errado. Assim, aquilo que podemos constatar observando o mundo é que a moral se concretiza nos indivíduos e nas suas expressões, que as leis morais são intrinsecamente subjetivas, que a moral é uma coisa humana (e provavelmente também de alguns outros animais).

Uma vez que temos estas concepções, nós as racionalizamos, as justificamos, as formalizamos, as teorizamos, as convencionamos e criamos regras, leis e códigos de conduta. Creio que seja esta dimensão simbólica das leis morais que nos leva a pensar que são leis da natureza. Cria-se então em cada indivíduo uma noção de quais são as regras do seu meio, o que ele pode ou não fazer, o que deve ou não, o que é aceitável ou não.

A moral veio de algum lugar. Já falei disto anteriormente, mas basicamente minha idéia é que as morais têm origens na nossa natureza biológica, e que foram sendo desajeitadamente racionalizadas e modificadas ao longo do tempo. Assim, nossa moral seria basicamente uma forma que a sociedade desenvolveu de procurar evitar mal-estar e sofrimento, conflitos sociais e de alguma forma promover o bem-estar, embora trazendo junto uma série de regras arbitrárias, resquícios históricos e viéses diversos (políticos, ideológicos, religiosos, cognitivos, etc). Aliás, creio que a moral não inclua apenas julgamentos do que é bom e ruim para alguém, mas também noções e valores a respeito de higiene, etiqueta, respeito, práticas sexuais, confiabilidade, justiça, estrutura social, papéis sociais, bom gosto, normalidade, entre outros.

É também importante salientar que se a moral é instanciada nos indivíduos, devemos pensar em qual é a capacidade moral humana, como funciona a moral no ser humano. Este é um problema neuro-cognitivo-psicológico, mas acho que basicamente nossa capacidade de julgar e agir segundo regras e valores estabelecidos é muito mais irracional e aquém do que se costuma considerar; somos muito fortemente influenciados por emoções e por viéses diversos que distorcem nosso raciocínio, além dos nossos instintos e da nossa bagagem psíquica individual.

Não sou totalmente relativista; embora a moral seja subjetiva ela se baseia em várias noções que são comuns, em particular se baseia na nossa natureza biológica que é fortemente comum. Entretanto cada um desenvolve sua moral de acordo com sua experiência, seu conhecimento, suas reflexões e seu raciocínio, que levarão às suas noções, crenças e valores individuais e a uma consequente diversidade moral, ao mesmo tempo que permite a discussão e a transmissão de valores. Embora a moral torne-se assim altamente relativa a variáveis subjetivas, sua diversidade é fortemente contida pela pressão social, política e ideológica, mantendo um grau de uniformidade efetiva (apesar de imposta).

Como havia atentado num post anterior, se a moral depende do julgamento individual, não há valor moral sobre acontecimentos que não são julgados. Isto é importante porque mostra uma consequência desta mudança de perspectiva: independentemente do que um indivíduo pense, sua moral só será causalmente relevante à medida que este de fato julgar um acontecimento. Se não há ninguém julgando que algo é errado, a noção de errado se torna irrelevante. Isto relativiza ainda mais os juízos morais e traz consequências contra-intuitivas como a moralidade de se cometer qualquer ação se ninguém mais ficar sabendo ou discordar.

E finalmente, voltando às questões iniciais:

1. Acho que o problema de como julgar é altamente individual e arbitrário, essencialmente cada um julga segundo suas próprias concepções e valores, que por sua vez são determinados por reflexão, conhecimento e história de vida; por esta razão, parece impossível se avaliar um modo de julgar a não ser por sua consistência interna. Convém promover a reflexão, a discussão e o conhecimento para que este julgamento seja mais completo e robusto.

2. Como se conduzir é um problema mais político e pragmático, cada um deve se conduzir da maneira que, segundo seus valores, for mais conveniente e eficiente.

3. O que procurar ainda é uma questão sem resposta para mim. A mim parece que qualquer resposta é igualmente válida, não vejo um modo de se escolher valores senão segundo os próprios valores, num processo obviamente circular, com a única ressalva de que, enquanto indivíduos humanos temos uma porção de valores já pré-determinados por nossa natureza, e uma vez que estes estão fixos, parece razoável procurar os valores que, segundo a concepção que cada um tem do mundo, melhor os satisfaça na sua própria situação. Creio que de certa forma este seja o sentido da vida: uma vez que cada um de nós é um ser que procura sentidos e valores nas coisas, encontrar a melhor maneira de conviver com isto.

Omissão

por Outro corpo em movimento

Basta um menear de cabeça para que você invalide a exploração
Basta um sussurro honesto pra que você denuncie o sensacionalismo
Basta um exemplo inverso pra que você desafie a propagação
Basta uma conversa inédita pra que você proponha a desconstrução

Basta um afeto espontâneo pra que você destitua artificialidade
Basta um sorriso em vão pra que você instaure a simplicidade
Basta uma lambida dedicada pra que você derrube a moralidade
Basta um piparote irreverente pra que você instigue a originalidade

Basta arrancar a máscara pra que você estimule a expressividade
Basta esticar um dedo pra que você cale a televisão
Basta um afago gratuito pra que você sugira permissividade
Mas, mesmo assim, você prefere encher o ouvido de algodão
Deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranqüilo, depois de uma oração.

Assepsia do pensamento

por Outro corpo em movimento

Pensar me parece algo muito complexo, que envolve uma série de fatores. Fatores que se misturam, se confundem e se escondem por baixo de outros fatores. Não conseguimos distinguí-los claramente.
Quando escrevi sobre o "triste ato de pensar" percebi que meu pensamento é construido por muitos e diversos e elementos diferentes, contraditórios e indecifráveis.
Não sei ao certo o que eu penso e nem como, mas acho que os sentimentos participam intensamente desse processo. No meu caso, percebi que o que eu sinto é quase oposto ao que eu penso de fato. E, na verdade, acho que eu penso que Y, justamente porque eu sinto X. Vou tentar não ser confusa, mas acho que será difícil. Eu notei que os meus sentimenos de ordem X não são bons pra mim, são anti-naturais, dolorosos, patogênicos... isso me fez pensar que X não é algo bom pra se pensar, então, é bom pensar que Y. Mas eu nunca fiz essa associação conscientemente, quando eu vi já estava pensando Y. Y é mais provável, mais aceitável, mais confortável, mais lógico (não sei se é porque é o contrário de X ou se é tudo isso por si mesmo).
Conheço pessoas que pensam coisas do tipo X e do tipo Y. A maioria delas não mistura as duas coisas, pensa X e age de forma X ou pensam Y e agem de forma Y. Eu penso Y e ajo X.
Y é razão.
X é sentimento.
Mas eu me pergunto se razão e sentimento são mesmo diferentes ou se isso é um rótulo antigo com o qual estamos habituados.
De qualquer forma não existem pessoas que só possuem razão ou só sentimentos, isto seria disforme. Os robôs são só razão, aliás, acho que o que entendo por razão é exatamente isso, o que os robôs são capazes de possuir, e que nós possuímos.
Eu não sei exatamente o que estou tentando dizer.
O que eu acho mais complicado de tudo isso é que, por mais que eu perceba Y, que eu conclua de forma Y, que eu veja muito sentido em Y, eu não consigo deixar de agir conforme X. Por que? No meu caso, Y está relacionado com conceitos e X com ações? Será que Y influencia X? Será que só consigo chegar a Y como um anti X?
Quando estou sentindo algo, há algum tipo de razão? Por exemplo: estou sentindo tristeza porque aconteceu um evento que me entristeceu- isso é razão ou é apenas causalidade?
Causalidade é algum tipo de inteligência?
Eu gostaria de direcionar minhas emoções, de podar as que me causam mal, nutrir as boas... fazer isso seria usar a razão, porque é através dela que concluimos o que é bom ou ruim (ou não?). Mas creio que eu não consiga. Se bem que eu conseguiria se isso fosse treinável. Será que é?
Nesse momento estou vendo as minhas emoções como miasmas que me atrapalham a pensar coisas que facilitariam a minha vida. Estou entendendo que as minhas emoções precisam ser muito bem domadas pra atuarem apenas quando solicitadas. Impossível né? O que são os sentimentos? Qual sua relação com o pensamento? E se certos sentimentos que me fazem pensar determinadas coisas forem capazes de me enlouquecer? Eu sinto que se eu permitir posso chegar num estado de perturbação incompatível com a vida social, então preciso ficar forçando, insistindo, treinando arduamente pra que meu Y consiga desviar a rota pela qual meu X sempre tenta seguir.

Vaga

por Outro corpo em movimento

Obtenha seu lugar no mundo!
Cave bem fundo
Um buraco bem justo,
Bem apertado

Que comporte no máximo dois ou três convidados
E alguma mobília
Pra fazer sala pros desocupados
Apertar ainda mais o buraco
E agradar um pouco a família

Arranje um nome para isso tudo
Algo como um número
Cave ao lado um túmulo
Pra abrigar possíveis defuntos

Encontre um motivo plausível
Para entrar e sair do buraco todos os dias
Nos mesmo horários.
Algo como: acumular papel retangular
(desenhado e colorido)
Ou enfiar mais coisas no buraco
E o deixar mais espremido.

Então fique cansado
E entediado!
Sinta-se vazio
Compre mais mobílias
E talvez aparelhos eletrônicos, para ser distraído.

Mantenha-se silenciosamente entretido
Pra não despertar a curiosidade ou simpatia
De nenhum vizinho intrometido

E... antes dormir agradeça
Pelos seus motivos
Pelos papeis coloridos
Pelas mobílias
Pelos aparelhos
Pela família
Pelos vizinhos desconhecidos

E considere-se privilegiado
Por ter nascido
Num mundo tão justo
Que garante um bom buraco
Pra cada um dos indivíduos

O triste ato de pensar

por Outro corpo em movimento

Meu dia começou assim: as minhas poucas certezas e esperanças começaram a doer... e agora estão doendo tanto que eu queria arrancá-las de mim e finalmente não ser nada, mais nada. Estou lembrando que a vida não faz o menor sentido, não faz nenhum sentido! Isso é infinitamente triste, é muito difícil de aceitar e engolir simplesmente... surge em mim um sentimento de revolta e de raiva por causa da incompreensão. Na verdade é algo muito pior que incompreensão, afinal, se houvesse o que se compreender, mesmo que eu não o conseguisse, ao menos sentiria-me aliviada por saber que existe algum tipo de explixcação. Mas eu acho que não há razão, sentido e nem motivo nenhum pra que a vida exista. Como dói pensar assim, como é melancólico.

Eu sempre digo as pessoas que elas devem falar sobre as coisas que sentem... mas hoje me perguntei se isso realmente adianta (ajuda, melhora). Em algun casos acho que é muito útil falar sobre os sentimentos, principalmente quando eles são indefinidos, reprimidos, distorcidos, marginalizados, enfim. Mas sobre isso que estou sentindo agora (e que sinto frequentemente), pelo menos, não deve fazer diferença nenhuma falar. Ninguém poderia me ajudar a esncontrar um sentido na vida, e nem deixar de perceber as coisas que percebo (que as coisas têm muito pouco significado real, que as pessoas têm atitudes bobas, mecânicas, irrefletidas e é praticamente isso o que sustenta a existência, é basicamente a isso que as coisas se resumem). São tantos símbolos, ideais repetitivos e completamente substituíveis (os quais as pessoas jamais ousam substiuir), pressões, julgamentos, conceitos, prescrições, leis, regras, receitas, diagnósticos, rótulos. Será que alguma coisa que eu faço tem realmente fundamento? Duvido que sim. Sou um ser humano entupido de doenças psico-sociais. Estou aqui, vivendo com os demais da minha espécie, numa organização social que provoca em mim inúmeros tipos de perturbação, como timidez, desespero, complexos de diversos tipos, medo de ser enganada, medo de solidão, medo de ser assaltada, medo de ser preterida, medo de ser ignorada, medo de ser abandonada, medo de ser condenada, considerada culpada, medo de ser julgada, medo de não estar inserida, medo de não ser aceita, medo de ser estranha, anormal, medo de ter defeitos, medo de ser paranóica, medo de estar errada, medo de ser magoada. Ou seja, além de não encontrar nenhuma explicação mais ou menos razoável para o fato de eu estar aqui, isto ainda tem que ser algo insuportável.

Então eu tento pensar no que me agrada, no que me traz felicidade, mas, nem mesmo assim estou livre de me sentir mal. Essa organização social na qual vivemos não me permite ser feliz praticamente nunca. Penso nos animais, que me deixam feliz, mas eu não posso fazer nada por eles, não posso nem mesmo ter meia dúzia de animais morando comigo pra me alegrar a vida, afinal não tenho dinheito e nem disponibilidade para lhes proporcionar sequer uma vida medíocre. Para que eu pudesse fazer isso precisaria trabalhar logo e ganhar dinheiro, aí as coisas já começam a não fazer sentido de novo (vida estranha, ridícula, boba, triste!). Trabalhamos de qualquer jeito (e não existem alternativas ao trabalho) pra acumular uns bens que podem nos trazer um pouquinho de alegria. Trabalhamos como se estivéssemos, de certa forma, nos livrando de alguma coisa.

Penso no Leo... então sinto que sou impregnada de paranóias. Acho que ele sente pena de mim, fica comigo pra fazer uma boa ação (já que ele quer fazer algo pelo mundo), fico imaginando que ele vai me enganar, que só pensa em outras mulheres e que qualquer uma com a qual ele se envolvesse seria suficiente para perceber o quanto sou trocável, que alguma coisa fatídica terá que acontecer, que alguma coisa vai dar errado, que eu vou sofrer. Eu começo a chorar como uma criança só de tentar esboçar na minha mente a imagem de ele pensando em outra mulher. Ora, eu acredito que ele me ama, talvez seja uma das certezas menos voláteis que possuo, mas, não consigo estar tranquila com nada, porque ligeiramente após me convencer de seu amor por mim, surge na minha mente a cortante idéia: o amor é só um nome que inventamos para tentar generalizar e dramatizar um dos inúmeros sentimentos humanos. Não é como ilustram os filmes, nem como narram os livros, nem como rimam os poetas, nem como colorem os pintores. O amor é só uma invenção, um símbolo, mais um, como todos os outros que pretendem justificar e explicar nossa infeliz existência.

Penso na minha família... e: é um símbolo! Convenção, tradição, obrigação. Sim, eu os amo, eu os respeito, mas... o amor e o respeito são apenas nomes criados para blá blá blá blá...

Então, apelativamente, penso: “Deus, o que faço eu para conseguir viver tranquilamente?”, só que eu lembro que não acredito em deus... e que não há ninguém no mundo que me possa responder essa pergunta sem sugerir que eu ignore certas coisas, que deixe de pensar em outras, que eu permita que os costumes, convenções, hábitos e símbolos tomem conta do meu sistema racional, que eu acredite no que as pessoas dizem mesmo que não faça o menor sentido, mesmo que intuitivamente eu veja que parece mentira.

A vida me é assustadoramente estranha e difícil, tudo o que me sobra de real são as sensações (porque mesmo os meus sentimentos estão impregnados de exigências sociais). Assim, acho que vou ficar vivendo sempre de uma forma primitiva, dependente, solitária e triste. Não posso negar que tenho muitos momentos de alegria (como os que passo com o Leo, com meus amigos, com meus animais e com a minha família, quando vejo filmes bons, enfim), mas sei que a qualquer momento podem me acometer qualquer uma das minhas diversas doenças psico-sociais. Só espero que elas não me destruam completamente e que sempre haja um resto de mim para continuar tentando, para continuar planejando, para continuar propondo mudanças, para continuar cuidando e para continuar amando (seja lá o que isso signifique).