Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Liberdade cognitiva

por Leo

Me ocorreu ontem que talvez nossa mente não faça distinções significativas entre entidades reais e imaginárias; o caso mais óbvio deve ser Deus. Não temos contato direto com Deus para termos certeza de que existe, e no entanto ele pode participar imensamente da vida de alguém que acredita nele; a pessoa pode interagir com ele, utilizá-lo para resolver problemas, ter experiências reais com ele. Quero dizer que a realidade mental não se limita à realidade física. Isto é mais evidente em casos de presunções; se eu lhe contasse a respeito de alguém que conheço, suas características pessoais, suas atitudes, etc. você formaria uma imagem dessa pessoa, e para todos os efeitos ela existiria na sua mente, no entanto, eu poderia estar mentindo. Acho que os sonhos são um bom exemplo de como este é um aspecto fundamental da atividade mental.

Isto tem grandes implicações: significa que estamos limitando colossalmente nossas experiências restringindo-as à realidade física/sensorial. Poderíamos viver infinitas experiências, conhecer diferentes mundos, pessoas, situações, se não estivéssemos tão presos por estas barreiras auto-impostas. Seria um modo de admitir e explorar a natureza da realidade mental, o que além de muito libertador, poderia suprir diversos tipos de carências psíquicas, não ficaríamos mais tão afetivamente sujeitos às condições de nosso meio, poderíamos conquistar uma autonomia psíquica. Teríamos muito mais oportunidades de nos desenvolver, explorando estas possibilidades.

Já toquei neste tópico antes ("Desejos e existências fictícias" e "E se todas as coisas que as pessoas falaram forem mentira?"). Mas acho que agora consegui um pouco mais de generalidade.

Creio que este seja a grande função das obras de ficção, seja na literatura, no cinema, nos quadrinhos, nos jogos de computador, nos RPGs; dar a oportunidade de vivermos experiências fora de nossa realidade. Expandir nossas barreiras cognitivas. Acho que é esta liberdade que torna o mundo infantil tão rico, tanto em situações como em emoções. Infelizmente à medida que amadurecemos, vamos assumindo um compromisso gradualmente mais forte com a realidade física e social e perdemos a motivação para continuarmos imaginando as coisas. Paramos de imaginar pessoas e situações, de brincar, fantasiar, desejar, sonhar.

É claro que isso oferece riscos; a expansão deste mundo subjetivo dá a ele uma fração maior da vida pessoal, o que provavelmente significa um menor compromisso com a realidade em volta. A comparação da realidade imaginária com a social pode fazer com que o indivíduo prefira a primeria, evitando seus problemas e desta forma não desenvolvendo maneiras de lidar com eles. A realidade física e social é a que determinará a sobrevivência do indivíduo, sua saúde biológica, e é onde ele pode interagir com outros mundos subjetivos, fazer trocas e ter contato e apreender as entidades que formam seu mundo mental. Por outro lado, a imaginação pode ser também uma arena de experimentação, um espaço onde o sujeito pode enfrentar todo tipo de situação contingente, bastando que esteja interessado.

Prosseguindo no tópico, me pergunto então, até que ponto é saudável liberarmos nossa mente, e isto inclui outros tópicos como, estados alterados de consciência (psicoativos) e distúrbios psiquiátricos. Até que ponto é bom para o indivíduo explorar sua capacidade mental, vivendo todo tipo de situações, emoções e sensações, até que ponto pode-se ignorar as forças repressoras do meio social e fantasiar, desejar, livremente, até que ponto a distância da mentalidade "normal" deve ser tolerada? Devemos tolerar e aceitar alucinações e compulsões? Qual é o papel da debilitação e disfunção, das patologias?
Eu não sei responder isto. Mas acho que devemos procurar um equilíbrio entre o bem e o mal; a liberdade é favorável à medida em que não prejudica o indivíduo, ou seja, que o ajuda a conseguir as coisas que quer. Se a vida mental começa a prejudicar a vida social e biológica, deve-se ponderar se ela não está exagerada. É claro que isto é extremamente difícil de se julgar. Nós julgamos com o mesmo aparelho que estamos alterando. O nosso aparelho psíquico é cheio de viéses, condicionamentos, reforços, feedbacks; e somos presos a isto. É por isso que nos viciamos, nos iludimos, nos auto-enganamos, nos adoentamos. Enfim, expandir os limites da vida psíquica a extremos parece se um empreendimento perigoso, mas em princípio não impossível e potencialmente muito libertador, potencializador e enriquecedor.

Afinal, nossa vida é em grande parte nossas experiências subjetivas, vivemos nossa mente, expandir nossa mente é expandir nossas possibilidades de vida, nossa própria existência.

Podemos pensar também, numa abordagem um pouco mais prática, em que hábitos mentais são bons ou ruins para a vida mental; quão emocionalmente condicionados nós somos? O quanto nossa vida mental depende das nossas circunstâncias? O quão livres somos para pensarmos como quisermos? Até que ponto devemos nos reprimir pelas exigências sociais? Acho que deveríamos elaborar algum tipo de "higiene mental", uma coleção de hábitos que proporcionassem a saúde, a autonomia, o bem-estar e o desenvolvimento da mente. O difícil seria descobrir estes hábitos e mostrar sua eficácia.

Vou agora abordar um aspecto meio contrário porém complementar, o quão limitados nós somos pelo nosso aparelho psíquico. Nosso aparelho psíquico é cheio de viéses; afinal, ele é feito para proporcionar funcionamento eficiente, sobrevivência; não pode tolerar qualquer tipo de atividade indiscriminadamente. Assim, somos impulsionados a comer, dormir, descansar, procurar objetos de prazer sensorial, emocional, sexual, fugir de coisas perigosas, esquecer ou recalcar coisas desagradáveis, fugir, defender ou lutar, buscar status social, obedecer às regras da sociedade, criar hábitos. Somos escravos deste aparelho; na verdade, somos parte dele, porém uma parte que de certa forma recebeu autonomia suficiente para desobedecê-lo. Pergunto então até que ponto devemos seguir nossas tendências psíquicas? Devemos ser escravos de nossos desejos? Sou obrigado a comprar tal produto, transar com tal pessoa, ficar rico e famoso? Sou obrigado a obedecer minha preguiça, sono, fome? Talvez isto esteja parecendo absurdo, por que diabos alguém não faria estas coisas, mas o que estou propondo é que uma vez conscientes e cientes de nossas limitações psíquicas, nós não somos obrigados a segui-las. Podemos nos comprometer com outras coisas. Talvez eu ache que algo é tão importante que seja mais importante do que todo meu sofrimento, todos os meus desejos, e até mesmo minha saúde e minha própria vida. Bom, este sim é um tópico perigoso; desafiar a própria psique parece ser o caminho mais fácil para as patologias mentais, a depressão, a mania, as neuroses e psicoses, a patologia. Mas não acho que seja algo fora de cogitação. É só mais um aspecto da vida mental.

Acho que consegui expressar bem o que queria. Há muita gente que fala sobre isso, o filme Waking Life fala um tanto, fóruns sobre psicoativos, filosofias existencialistas, enfim, há bastante material para reflexão por aí. Acho que é um tópico importante.

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

teste

sexta-feira, outubro 05, 2007 2:39:00 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Os textos "Da denotação" de Russell e "The extended Mind" tratam das questões dos primeiros paragrafos.

"Transhuman Values" de Nick bostrom, tratam das questões éticas de se modificar a psique.

sexta-feira, outubro 05, 2007 2:40:00 AM  
Blogger Lipe B. Goode disse...

Belo texto cara, adorei sua abordagem sobre as maneira de pensar e a citação de waking life, que é um filme incrível =)

(y)

terça-feira, fevereiro 02, 2010 11:50:00 PM  

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