Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?






O problema vivido intensamente por um pessoa é sempre o pior problema do mundo, não importa qual seja o problema ou quem seja a pessoa.
Disso eu já sabia...
Tive de mencionar isso porque todos os pensamentos que se seguem tem um problema como pano de fundo. Um problema impregna a mente de modo que tudo o que acontece durante sua estadia é uma sombra dele... como se todas as outras coisas perdessem a vida própria. E não sei qual o mecanismo reverso.
Nos encontramos hoje. Eu sentia uma saudade que chegava a me deixar muda. É possível que o encontro tenha aumentado ainda mais a saudade. O tempo que estivemos juntos me pareceu tão curto que os últimos minutos se tornaram longos e estranhos. Ele olhava pela janela e eu não sabia pra onde olhar... queria olhar em seus olhos, queria explicar todas as coisas do mundo, as que entendo e que não entendo... queria descrever tudo o que senti e perguntar sobre o que ele sentiu e falar de tudo o que eu imaginei e o que eu queria que fizéssemos juntos, queria beijá-lo, sair de dentro de mim mesma e esquecer de tudo e só estar alí com ele... eu quis tudo isso enquanto ele olhava pela janela... então o encontro acabou e ele se foi... e ainda sinto saudade.

Meu último post

por Leo

Estou encerrando definitivamente minha participação neste blog. Já o tinha feito na prática, mas agora estou oficializando. O motivo é simplesmente porque estou usando outras mídias, estou usando muito o facebook para promover discussões, e escrevi também alguns poucos textos por lá. Se alguém quiser manter contato é só me adicionar ou seguir (se for me adicionar por favor se identifique dizendo que veio pelo blog).

Estou tentando terminar meu mestrado (e está sendo horrivelmente difícil de terminar), conhecer e entender pessoas e desenvolvendo alguns projetos, em particular criei vários wikis recentemente (um wiki é um site de conteúdo colaborativo que qualquer um pode editar, como a wikipedia):


Sintam-se a vontade para contribuir nos wikis!

Uma coisa que eu andei pensando sobre este blog é que quando comecei me sentia bastante desorientado na vida, com muitas dúvidas sobre tudo, e que aos poucos fui encontrando respostas, e hoje tenho muitas respostas para muita coisa, embora ainda tenha muitas dúvidas, e muitas das respostas sejam criticadas e reformuladas de tempos em tempos. Isto é animador, porque sugere que questionar não é inútil, é algo que abre sua mente para entender melhor o mundo.

Enfim, tenho muitas reflexões e muitas coisas a escrever pela frente, mas não mais o farei aqui. Talvez eu ainda resolva criar um outro blog algum dia.

Abraços, e obrigado a todos que tiveram interesse em ler meus textos. =)

Observações sobre o comportamento sexual das pessoas

por Leo

Por conta de estar solteiro, tenho feito muitas observações sobre o comportamento de seleção sexual e corte das pessoas a minha volta. E tenho de dizer que os acho na sua maioria muito estranhos, e o modo como são irracionais e ineficientes em produzir resultados satisfatórios me angustia.

Acho que muitas pessoas tem uma visão muito distorcida destes processos, baseada em concepções idealizadas de como as coisas deveriam ocorrer (a pessoa certa, o príncipe encantado, "beleza é relativo", casamentos perfeitos, etc). Vou expor então como acho que as coisas de fato ocorrem. Estou deliberadamente misturando conhecimentos mais científicos com constatações mais pessoais.


As bases do comportamento sexual são instintivas, como é o caso da maioria das espécies vivas, os machos humanos, por terem gametas pequenos e móveis, tem mais sucesso reprodutivo fecundando a maior quantidade possível de fêmeas viáveis reprodutivamente, enquanto estas, por terem o gameta grande e nutritivo e nos mamíferos uma gestação longa e custosa, ficam naturalmente com o fardo de garantir a sobrevivência da cria, e tem a necessidade de buscar tanto um macho com boa qualidade reprodutiva e de sobrevivência, como um bom provedor para fornecer os recursos para criar seus filhos (que pode ou não ser o mesmo indivíduo).


Curiosamente o comportamento sexual parece se dividir entre o comportamento de interação sexual casual e o comportamento de busca de relacionamentos estáveis. A interação sexual casual é dominada por sentimentos de atração, que são provocados pela ativação de certos gatilhos emocionais em resposta a sinais específicos; as mulheres parecem ser estimuladas principalmente por sinais de dominância e competência sexual e social, enquanto os homens são mais por características físicas e sensoriais. A busca de relacionamento é dominada por critérios um pouco menos superficiais, como segurança, estabilidade, comprometimento afetivo e posse de recursos.

Acho que na grande maioria dos meios sociais os homens tem o papel ativo de escolher entre as mulheres aquela que lhe parece mais atraente e abordá-la e conquistá-la, enquanto as mulheres tem o papel passivo de selecionar entre os homens que as abordam e controlar o que querem com cada um.

Quero chamar atenção para o fato de que o mercado sexual (este contexto de busca e oferta de parceiros, interações e relacionamentos) é injusto, ineficiente e tem incentivos perversos.

* É injusto: A maior parte dos principais caracteres valorizados na seleção sexual não tem muito mérito pessoal e são em grande parte de origem genética (o que faz sentido pensando na sua razão de ser): altura, porte físico, extroversão, agressividade, inteligência, forma e tamanho de partes do corpo, propensão a acúmulo de gordura, características sexuais masculinas e femininas são caracteres com grande componente genético, e distribuídos de forma bastante desigual na população. Claramente há pessoas muito mais valorizadas sexualmente do que outras, a distribuição é desigual como qualquer outra característica. Há diversidade e variação de gostos, mas há tendências claras favorecendo alguns padrões.

* É ineficiente: As estratégias de seleção frequentemente levam a parceirias insatisfatórias para uma ou ambas as partes, muitas pessoas sistematicamente procuram e se atraem por parceiros que são incompatíveis com suas personalidades, ambições ou estilos de vida e tem relacionamentos conturbados e infelizes.

* Tem incentivos perversos: As estratégias e sinais de seleção de parceiros incentivam práticas indesejáveis, como desonestidade (esconder atributos indesejáveis e mentir ou dissimular sobre os atraentes, fingir interesse ou escondê-lo, dar falsas perspectivas de um relacionamento, de exclusividade e de fidelidade), superficialidade (ênfase em disputas de status baseadas em sinais de valor de baixa confiabilidade ou curta duração, como modas, aparências e especulações), agressividade (pela seleção de parceiros mais dominantes), objetificação sexual feminina (pela supervalorização de atributos físicos), promiscuidade e traição (pela seleção dos parceiros mais sexualmente competitivos).

É possível se definir a atratividade sexual de uma pessoa pela sua atratividade média na população em questão, assim, uma pessoa ou uma característica que é atraente para muitas pessoas pode ser dita mais atraente. Pessoas tendem a se relacionar com pessoas de atratividade semelhante, isso se deve ao processo de seleção sexual, e a instabilidade maior de relacionamentos com diferença grande de atratividade.

Além disso, a atratividade sexual de uma pessoa tem diversas implicações sobre seu sucesso social, opções e estilo de vida. Pessoas sexualmente atraentes tendem a ascender socialmente, pois são puxadas para cima pelas pessoas que as desejam, as querem por perto ou se relacionam com elas compartilhando seus recursos. Pessoas sexualmente atraentes tem mais opções de emprego, mais parceiros sexuais, e creio eu mais poder e acesso a recursos em geral. Esta percepção de status as leva a optarem por ambições, valores, meios sociais e opções profissionais específicas. Curiosamente, as pessoas menos atraentes tem de vencer na vida por outros meios, a acabam sendo incentivadas a desenvolver outras habilidades. Então, embora as pessoas mais atraentes tenham mais acesso a recursos que permitem seu desenvolvimento, também podem ter um contraincentivo a se desenvolver em outros aspectos por ter uma vida facilitada.


Os papéis sexuais e as diferenças de atratividade também criam injustiça e desigualdades sociais na medida que favorecem discriminação social a favor das pessoas mais atraentes em muitas situações nas quais não deveriam ser relevantes, favorecem a dominância masculina (pelo incentivo que os homens tem em estabelecer dominância social e sexual e em competições arbitrárias) e a objetificação da mulher e seu favorecimento em receber recursos (o que atua como um desincentivo a sua autonomia).

Devido à grande vantagem que a atratividade sexual proporciona, ela é um bem posicional que é disputado em muitos meios sociais; é comum ver competição de dominância sexual entre mulheres (principalmente com beleza e roupas), e entre homens (varia bastante, mas frequentemente por porte físico, riqueza, agressividade, inteligência, ...); estas disputas às vezes tomam formas bastante específicas e exdrúxulas (mais do que cantos de passarinhos e lutas de chifres) como esportes, política, artes e competição intelectual.


Além das inúmeras coisas infelizes que já expus, o processo de corte e relacionamento tem numerosos conflitos de interesses que criam jogos e disputas; o processo de aproximação sexual tem uma tensão de exposição em que cada um vai mostrando pouco a pouco suas cartas a fim de mostrar que tem qualidade tão boa quanto o outro, ao mesmo tempo que tentam ocultar seus pontos negativos (quando podem); há também um problema de sinalização de interesse, sinalizar mais interesse e necessidade do outro traz desvantagem pois tira seu poder de negociação sobre os termos da relação, cria subordinação, o que sinaliza baixo status. Investir no outro e se comprometer cria um conflito interno pois aumenta a chance de se machucar ao ser rejeitado, ou de perder muito ao se decepcionar, ou de se perder oportunidades com outras pessoas que possam aparecer. As mulheres tem um conflito a mais principalmente em relação a relacionamentos casuais que é o de se expor socialmente como promíscua, que é altamente desvalorizado em boa parte dos meios, o que faz com que sejam mais inibidas sexualmente. Após o estabelecimento do relacionamento frequentemente há disputas por dominância entre quem toma decisões, disputas por atenção, comprometimento emocional e outros recursos, disputas de insegurança e dominação para estabelecer fidelidade e compromisso, entre outras. Isso para não falar de quando há filhos e dinheiro envolvido. Estas disputas podem ser intensificadas ou não dependendo do modo como o casal lida com elas e com a diferença de status envolvido, quanto maior a diferença mais fácil é de um predominar naquela disputa.


Devido a estes conflitos e jogos, as pessoas criam estratégias de investimento, ataque e defesas, que demandam estratégias de resposta da outra parte e criam uma corrida armamentista do mal. Como vivemos numa sociedade competitiva e com algumas pessoas hostis e aproveitadoras, as pessoas geralmente tem muitas defesas. Então elas bebem para diminuir suas defesas, o que também prejudica seu senso de avaliação e as deixa mais impulsivas e propensas a tomar decisões ruins. Quantas pessoas procuram e começam seus relacionamentos por intermédio de álcool? (calma, não estou dizendo que seu relacionamento é ruim, apenas que é triste que a sociedade precise disso)


Minha conclusão é de que no aspecto sexual as pessoas são muito irracionais, e pela minha experiência adverti-las é pouco eficaz, abordagens mais racionais não costumam funcionar devido ao forte aspecto emocional e muitas vezes pouco consciente das questões envolvidas, incluindo a atração. De maneira que é um aspecto que temos de nos conformar em algum grau, e tentar lidar da maneira mais prática e menos danosa possível, o que é bem complicado. =(

O que tenho feito ultimamente

por Leo

Tenho deixado este blog de lado. Não porque não tenha mais o que escrever, não porque não tenho mais tempo, não porque não deseje mais escrever. Mas simplesmente porque estou priorizando outras coisas na minha vida agora.

Criei este blog para falar de aspectos da vida que me intrigam, questões que não sei responder ou não sei nem definir ao certo. E conforme o tempo foi passando percebi que as respostas vão surgindo, às vezes parcialmente, às vezes sujeitas a serem modificadas posteriormente, mas foi uma surpresa existencial curiosa e feliz descobrir que quem se pergunta algo por muito tempo acaba achando alguma resposta.

Nesse tempo que se passou eu passei de estudar neurociências para estudar psicologia, depois relações humanas, e atualmente um pouco de ciências sociais, provavelmente me encaminhando para estudar política, sociologia e economia.

O mundo é muito complexo, se há uma verdade sobre as coisas é que elas são complicadas...

Tenho estudado ética. Após as minhas várias crises de valores que se seguiram a ter virado ateu (ver [1] e [2]) percebi que existe alguma ordem no caos dos valores humanos, e cheguei a conclusão de que a melhor teoria ética que encontrei até hoje é a do utilitarismo, que tem lá seus diversos problemas teóricos e práticos, mas que me parece ser a que é mais racionalmente fundamentada e que tem mais chance de dar conta da complexidade do mundo e criar uma moral adaptativa que não seja meramente um papo de filósofos especuladores.

Tenho muito a falar sobre este assunto, tanto de porque o utilitarismo é uma boa ética, porque as outras não funcionam bem, de porque faz sentido ser ético e porque também pode fazer sentido não ser, porque os valores podem e devem variar entre indivíduos, e porque ser ético não é o mesmo que ser bom, e porque ser bom é muito difícil.

Gostaria de escrever alguns posts sobre pessoas, o que elas tem de interessante e o que se pode fazer com elas, também tenho MUITA coisa a falar sobre ética, muitas reflexões (na sua maioria pessimistas) sobre como o mundo funciona, enfim, mas acho que não virão tão logo.

Tenho me dedicado a tentar ser um bom utilitarista, desenvolver algumas habilidades sociais (e tentar arranjar uma namorada), encontrar um jeito de ver o mundo de um jeito bonito (não faço idéia ainda de como), e me livrar de problemas motivacionais e de humor que tem me perseguido.

E é por isto que não tenho escrito posts ultimamente. Isto não é uma carta de adeus, é só uma de "estou dando um tempo".

Abraço a todos que acompanham o blog. =)

Personalidade: O que fazer com ela?

por Leo

Novamente estou eu aqui especulando e discorrendo sobre um assunto que não conheço tão bem, mas que pretensiosamente penso ter uma perspectiva interessante a compartilhar.
Primeiramente quero distinguir 2 conceitos de personalidade, bastante relacionados porém distintos; um é mais público, vou chamar de "personalidade comportamental", e refere-se às tendências e padrões existentes no comportamento de um indivíduo em relação aos demais indivíduos da população, por exemplo ser inquieto, pretensioso, romântico, organizado, etc.; o outro é mais privado, vou chamá-lo de "personalidade psíquica" e refere-se a como está estruturado o sistema de comportamento do indivíduo em resultado a suas tendências biológicas, suas influências ambientais (especialmente as sociais), suas experiências de vida, etc. geralmente descrita em termos de conceitos como estratégias, mecanismos e sentimentos.

A personalidade comportamental

Embora o comportamento humano seja muito complexo, é fácil observar que ele tem muitos padrões. Tem regularidades, tanto no mesmo indivíduo, como entre indivíduos. E mais, estas regularidades muitas vezes não são isoladas e independentes, elas formam padrões complexos que se expressam em diversos aspectos da vida individual. São destes padrões que estou falando, queremos saber quais as características de alguém que melhor descrevem e prevêem seu comportamento. Há muitos estudos e teorias psicológicas a respeito de caracteres (traços) e tipos de personalidade, da sua aferição, utilidade preditiva etc, embora ainda seja uma área muito controversa.


É interessante ver como este é um conceito bastante social, tanto pelos tipos que são identificados socialmente, muitas vezes baseados em rótulos, personagens e estereótipos, mas principalmente porque é relativo ao comportamento das outras pessoas do meio, uma pessoa ansiosa é uma pessoa significativamente mais ansiosa do que as outras daquele grupo. O fato de ser assim tão social é uma razão para lidar com ela com cuidado, pois é feita por pessoas com parâmetros e valores específicos, que podem não coincidir com os seus, ou os que interessam na situação em questão. Adjetivos comportamentais muitas vezes tem mais o propósito de comunicar e compartilhar impressões subjetivas do que ser uma descrição objetiva e verificável do comportamento de alguém.

Um fenômeno notável relacionado a isto é que muitas vezes adotamos estes rótulos para nós mesmos, talvez porque queiramos ser aceitos no grupo, talvez porque achamos que é uma boa descrição para nosso próprio comportamento. Isto não é necessariamente um problema, mas pode ser um obstáculo quando ao nos apegarmos afetivamente a este rótulo, impedimo-nos de nos desenvolver, ficamos fixados naquela característica porque gostamos de ser caracterizados assim; não sei se isto tem um nome, eu chamo de "auto-determinação descritiva".

Este tipo de caracterização pode ser interessante e muito útil para se entender pessoas e conviver socialmente mas é bom levar em consideração que o comportamento tem uma estrutura complexa, as pessoas não se comportam com o mesmo padrão em todos os contextos, o que expressam nem sempre reflete diretamente o que pensam e sentem, pessoas diferentes tem padrões diferentes, e estes padrões mudam no tempo pois isso depende de algo mais profundo, a tal personalidade psíquica que explicarei.

A personalidade psíquica

A personalidade psíquica seria o que propriamente somos "por dentro"; seria a estrutura que faz com que apresentemos o comportamento que efetivamente manifestamos (a personalidade comportamental), dependendo das circunstâncias, e também aquele que permanece coberto, escondido, como nossos pensamentos e sentimentos. Ela é bem mais difícil de ser observada, e sua descrição acaba sendo um tanto quanto hipotética, uma vez que ainda não temos meios muito confiáveis de inferir estas características profundas das pessoas e nem mesmo teorias bem desenvolvidas e bem estabelecidas para descrevê-las.


A personalidade psíquica envolve muita coisa, mas é basicamente a maneira como, em face da sua constituição biológica, influências externas e experiência de vida, você lida com o mundo e consigo mesmo. São estratégias de enfrentar a realidade e resolver situações, gostos e preferências, mecanismos de defesa, seus sentimentos, como você os entende (ou não) e o que você faz em relação a eles, sua auto-imagem, sua atitude diante de acontecimentos bons, ruins, novos, velhos, etc., o modo como interage, trata as pessoas e se relaciona com elas, suas motivações, suas ambições e preocupações de vida, seus valores, seu modo de se expressar, seus hábitos, enfim, sua capacidade e maneiras de experenciar, lidar, conviver e aproveitar as diferentes situações com que sua mente se depara.

Estudos com neonatos mostram inúmeras diferenças entre indivíduos já logo após o nascimento. Estudos com gêmeos mostram que muitos traços de personalidade (comportamental) têm forte herança genética (chegando a 80% em alguns), mostrando que já viemos ao mundo cheios de predisposições em relação a este jeito de ser, e mais, a maioria tende a se tornar mais forte com a idade. É bom lembrar que o fato de algo ser biológico não significa necessariamente que é imutável, mas significa sim que as pessoas com aquele biotipo geralmente têm aquela tendência comportamental em um grau significativo. Diversos outros estudos mostram influências importantes de história de vida (como experiências infantis, traumas, padrão de relacionamento com os pais) e de meio social na determinação de vários caracteres.

Embora a personalidade tenha aspectos mais rígidos, muitos são plásticos, e os modificamos pelo processo de educação, pela adoção e imitação de valores, gostos, hábitos, etc do nosso meio social, pelos reforços e punições exercidos por nosso meio social em nós, por outros tipos de pressão e coerção social e por algumas opções que fazemos mais voluntariamente (como por exemplo escolher este meio social). Desenvolvemos assim novas maneiras de lidar com as diferentes situações, novas maneiras de encará-las, de experenciá-las, principalmente quando queremos, ou mais ainda, quando precisamos.

Nossa programação biológica não nos prepara completamente para o mundo, só dá certas diretrizes básicas para favorecer nossa aptidão biológica, temos de aprender durante a vida como conceitualizar o mundo, os significados das coisas, seus valores, o que procurar e como agir. No entanto, há inúmeras maneiras de se fazer isto, algumas mais adaptativas, outras menos, e é com este tipo de escolha que nos deparamos o tempo todo na vida, e que ao fazermos nos tornamos um pouco mais de um jeito ou de outro. Muitas destas pequenas escolhas, voluntárias ou não, fazem-nos o que somos.

Estamos equipados com este conjunto de ferramentas de lidar com o mundo, e seremos mais bem sucedidos se estivermos em situações nas quais nossas ferramentas são adequadas; podemos mudar de situações, e podemos desenvolver novas ferramentas. De qualquer maneira é sempre bom saber no que se é bom, quais são suas habilidades e o que se pode fazer com elas.

E o que fazer com ela?

Resolvi falar de personalidade principalmente para falar uma coisa que acho importante, que personalidade não é algo essencial e imutável, personalidade é algo que desenvolvemos e podemos direcionar este desenvolvimento. Podemos escolher nossa maneira de ser em um grau maior do que se imagina. Personalidade não é simplesmente algo que temos, é algo a ser desenvolvido!

Minha proposta é ver a personalidade menos como um conjunto de características estruturais rígidas, e mais como um repertório bastante expansível de habilidades de lidar com diferentes situações. E acho que cabe aí pensar seriamente na maneira como lidamos com determinadas situações, e se de fato não haverá maneiras melhores. Pensar na personalidade da maneira como pensamos em habilidades motoras por exemplo (andar, nadar, andar de bicicleta, tocar um instrumento).


E sim, estou dizendo que há formas de ser melhores do que outras, algumas formas de ser e lidar são mais adaptadas às situações da sua vida do que outras, permitirão que você aproveite ela melhor, experencie ela de maneira mais agradável, transforme situações desfavoráveis em favoráveis, tenha mais liberdade e ao mesmo tempo mais controle sobre sua vida.

Entre estas capacidades e habilidades que me parecem desejáveis eu destacaria:
- Capacidade de procurar experiências boas em diferentes situações
- Capacidade de identificar, admitir, enfrentar e manejar os próprios sentimentos
- Capacidade de ver as coisas de diferentes formas
- Capacidade de procurar e criar soluções novas
- Capacidade de ser ativo e agir
- Capacidade de se motivar
- Capacidade de administrar seus problemas práticos
- Capacidade de interagir socialmente de maneira mutuamente proveitosa
- Capacidade de proporcionar boas experiências a outras pessoas
- Capacidade de entender outras pessoas e lidar com suas diferenças e peculiaridades
- Capacidade de se relacionar com outros, também de maneira mutuamente proveitosa
- Capacidade de se defender de ameaças e situações complicadas (mecanismos menos restritivos e prejudiciais são melhores), e flexibilizar e refinar estes mecanismos à medida do possível
- Capacidade de atenuar estresse, conter sentimentos negativos e ansiedade
Também daria alguma ênfase na auto-determinação de crenças, valores, motivações, gostos e planos de vida.

Infelizmente existe uma parte ruim: a maior parte dos nossos traços de personalidade não são fáceis de mudar, seja porque são traços mais rígidos e consolidados, seja porque temos reforçado aquela característica por toda a nossa vida, seja porque tem uma importância emocional para nós, seja porque temos medo de mudar.

Para mudar é preciso querer ou precisar de verdade, porque é bem custoso psiquicamente mudar sua própria estrutura, e por vezes você mesmo tentará resistir à mudança, afinal estará optando entre deixar de ser quem você é para ser outra pessoa. E não basta querer, assim como aprender a tocar um instrumento, muitas vezes é preciso de muito esforço e prática; diversos traços de personalidade, particularmente os relacionados a emoções, seguem uma dinâmica própria, às vezes bem difícil de entender e controlar, muitas vezes precisamos de ajuda para conseguir domá-los (como um psicoterapeuta e às vezes psicofármacos). É preciso também procurar os meios para facilitar este processo, encontrar um caminho que leve você aonde quer; muitas vezes este caminho já foi trilhado por outras pessoas que estão dispostas a ajudá-lo (às vezes por um preço). Uma coisa que pode ser bem encorajadora e facilitadora é prestar atenção e aprender com as pessoas que já estão lá, ou já passaram por isso, nos sentimos mais amparados, motivados e confiantes estando num meio social mais próximo de onde queremos estar.


E é isto, aqui estou eu enfrentando minha própria resistência à mudança, e tentando encorajar outros a se mudarem também na busca de uma vida melhor, isto é, uma vida que vale mais a pena ser vivida.

p.s. Acho que também é importante falar que sua personalidade deve ser útil a você. Cada mecanismo, hábito, gosto, sentimento são bons se proporcionarem mais bens do que males, muitas vezes desenvolvemos sistemas para nos prevenir de coisas ruins (como ameaças ou constrangimento social) mas acabamos nos privando de liberdade, motivação e oportunidades de nos sentirmos bem. Outras vezes desenvolvemos sistemas para priorizarmos certas coisas boas, mas acabamos nos privando de outras que seriam melhores. Enfim, é preciso lembrar que nossa personalidade é feita por nós para nós.

Reflexões e desilusões

por Leo

Aviso: este é um post potencialmente triste e decepcionante, em vários graus e aspectos.

Há algum tempo que me pergunto se vale a pena pensar, questionar e refletir sobre as coisas. Isto porque apesar do meu exercício nesta tarefa, muitas vezes me angustiei com minhas conclusões, mais vezes do que me senti melhor por elas. E a reflexão parece ser um valor intelectual consensual, em geral se acredita que refletir sobre as coisas seja bom, por proporcionar esclarecimento, descobertas, quebra de preconceitos e concepções dogmáticas, e uma visão mais realista do mundo. A minha dúvida é se o custo existencial deste processo para o indivíduo não é maior que seu eventual benefício.

Há um tempo considerável que me importo em buscar crenças realistas e justificadas, por achar que distorções na visão de mundo levam a explicações erradas e a investimentos ineficazes (por exemplo, pense nas pessoas que deixam de tratar suas doenças por métodos eficazes, por acreditar em métodos ineficazes; pior ainda no caso de decisões políticas). Partimos neste processo de um estado bastante idealizado do mundo, no qual as coisas são simples, absolutas e puras, gradualmente caminhando para um quadro onde as coisas são complexas, relativas e misturadas. E isto é bem universal, vale para a nossa representação da natureza, da sociedade, das pessoas que fazem parte da nossa vida, dos nossos planos e história de vida, dos nossos sentimentos, da nossa própria identidade, da vida como um todo.

Infelizmente este processo é acompanhado de uma certa angústia existencial: refletir provoca decepções. Não sei se as decepções e desilusões são exatamente mais frequentes do que os alívios, aberturas e libertações, mas me parecem que pelo menos tem um efeito total maior. Ou seja, tende a tornar as pessoas menos felizes. Para ser mais concreto, um exemplo que acho bem bom é acreditar em Deus. Acho que é bem claro que acreditar em Deus traz sentimentos de conforto, esperança e auto-estima, uma visão de mundo mais bonita e tal. Mas acho que é mais racional acreditar que deus não existe (como argumentei aqui), e daí todas estas vantagens se perdem. Portanto, é um exemplo de como refletir pode levar a uma vida pior.

E há inúmeros exemplos de desilusões frequentes: perceber que não somos tão aptos, capazes, qualificados e desejados quanto achávamos que éramos, perceber que não vamos conseguir conquistar o que sonhamos, perceber que as pessoas de quem gostamos não são como as idealizávamos, perceber que o mundo é fundamentalmente injusto, perceber como há muito sofrimento no mundo provocado por opções arbitrárias e relativamente fáceis das pessoas, perceber que um indivíduo geralmente terá baixa probabilidade e e muita dificuldade em provocar impacto positivo no mundo, perceber que investimos muito tempo e esforço em opções ruins, perceber como as pessoas são cheias de problemas psicológicos, perceber que eventualmente vamos todos perder nossa saúde, jovialidade e morrer, etc.

Vamos ver o lado bom então, perceber que estávamos iludidos nos traz a um estado novo, no qual formamos uma nova visão das coisas, e com um pouco de sorte uma mais conformada ao modo como as coisas são de fato. Isto evita que soframos novamente por erros cometidos por crenças falsas. Além disso, uma visão supostamente mais realista nos torna mais capazes, mais aptos a entender, a planejar, a decidir melhor, a errar menos. Se pensarmos a longo prazo, podermos ajudar outras pessoas a errar menos também, pode fazer uma grande diferença nos rumos que tomamos em nossas vidas.

Utilitariamente, isto é, considerando o que provavelmente gerará mais bem-estar e menos mal-estar a nossa volta, o que é melhor? Possivelmente isto depende, me parece difícil circunscrever domínios onde se pode refletir e nos quais é melhor se manter como está. Até porque nossas crenças determinam estas probabilidades que estão em jogo. Iludir-se torna-se assim um jogo perigoso e circular. E para os mais altruístas, é bom considerar que nossas crenças influenciam nossas decisões e nossas decisões influenciam outras pessoas, crenças não afetam somente a nós, estamos decidindo o bem de outros também. Em resumo, é difícil, eu não sei e não tenho boas expectativas a respeito =(.

Sendo um pouco mais pragmático, acho que vale a pena pensar naquilo em que investimos mais, afinal, é importante saber o risco que estamos cometendo quando estamos dedicando muitos recursos a um empreendimento. Assim, vale a pena pensar nas coisas que se mostram mais relevantes e presentes na nossa vida prática, e onde temos mais chance de ser afetados e afetar outros por nossos erros. Infelizmente, há um problema envolvido que é que as pessoas geralmente se apegam firmemente a crenças que sustentam coisas importantes em sua vida. Temos uma grande resistência a negar uma visão de mundo colocando assim em risco nosso emprego, status social, relacionamentos e sentimentos (incluindo auto-estima). Provavelmente é por isto que somos tão iludidos e sofremos tanto com decepções.

Talvez um exercício saudável, seja também refletir sobre aquilo que não temos tanto envolvimento ainda, mas que podemos vir a ter, nos parece interessante ou relevante em algum grau; esta parece ser a condição ótima para refletir a respeito, pois a distância dá alguma neutralidade, permitindo que formulemos crenças mais desinteressadas. A única desvantagem é que geralmente tem-se menos conhecimento de coisas que vemos a distância, de maneira que é preciso atualizar esta representação conforme fiquemos sabendo de mais coisas.

Finalmente, como recomendação de tratamento aos pensadores angustiados eu sugiro refletir sobre como administrar a própria angústia. Acho que nosso sistema emocional evoluiu para nos proporcionar condições melhores de sobrevivência, e não temos de ser escravos dele. Quanto melhor conseguirmos administrar nossa experiência emocional, melhor poderemos viver e sobreviver bem. Se isto é desejável e não ocorre naturalmente, parece racional se fazer um esforço direcionado neste sentido*. Se a angústia provém da troca de uma representação do mundo por uma pior, por que não procurar encher nossa vida de representações boas, de maneiras boas de ver o mundo, de experiências que façam a vida mais bonita? Assim como muitas vezes escolhemos refletir ou não, escolhemos também nossa preferência de atitudes e experiências, acho que vale muito a pena investir nisso =).

p.s.: Esqueci de mencionar mais uma desvantagem importante da reflexão, ela muitas vezes deixa a realidade mais feia, mais intragável, faz com que rejeitemos mais as coisas que vemos, que sejamos mais críticos e vejamos mais defeitos. Isto é um efeito colateral bem desagradável. Como tratamento, eu recomendaria procurar formas de lidar com as coisas sem rejeitá-las, procurar encará-las com mais naturalidade (isto é, é natural que sejam desta forma), e considerar não apenas seus aspectos negativos, vê-las como um todo mais integrado. Não rejeitar a realidade, aprender a aceitá-la, me parece uma ótima idéia, aceitá-la como fenômeno, como se apresenta, como ocorrências reais e legítimas, não necessariamente como desejável ou preferível. Me parece que muito do que chamamos de amadurecimento consiste em ver as coisas como são, e não como gostaríamos que fossem.

p.p.s.: Ainda mais uma desvantagem de refletir é que conforme sua visão de mundo e seus critérios de avaliação dele vão se tornando diferentes dos das outras pessoas a sua volta você se sente mais sozinho, pertencendo menos, menos compreendido, com menos afinidade, etc. além de entrar em mais desacordos com os outros. Não sei bem o que se pode fazer em relação a isto, uma coisa é procurar maneiras de lidar e conviver bem com pessoas que pensam muito diferentemente de você, seja influenciando elas ou não; outra é procurar pessoas com quem você tenha mais afinidade, o que infelizmente se torna cada vez mais difícil quanto mais você avança na empreitada.

* Para os mais dedicados, recomendo ler algum livro de psicologia positiva, como Stumbling on happiness (Daniel Gilbert) ou The How of Happiness (Sonja Lyubumirsky), e outros livros de auto-ajuda de qualidade (eles existem!).


Sheldon: The comforting part is that the Germans have a term for what you're feeling.
Sheldon: Weltschmerz.
Sheldon: It means the depression that arises from comparing the world as it is to a hypothetical, idealized world.
Leonard: You're right, I do feel better.
Sheldon: Well, the Germans have always been a comforting people.

Por que não pode ser relativo?

por Outro corpo em movimento

A vida é estranha sim. Não tem jeito.
Não sei bem como provar isso, mas suspeito que eu não precise fazê-lo, pois se não há provas de que a vida não seja estranha, ela ser estranha é tão verdade quanto não ser.
Não sei direito sobre o que eu vim escrever. De alguma forma eu gostaria muito de falar sobre relativismo ou algo deste tipo, mas sinto que este tema é meio herege. Um assunto bem obscuro que realmente empaca logo no começo porque sempre tem alguém que fala que "dizer que as coisas são relativas é relativo", e assim põe um ponto final no assunto.
As pessoas têm mania de não gostar de relativismo. Acho que é porque quando supomos que as coisas são relativas parece que fomentamos uma grande desilusão, como se não adiantasse nada pensar sobre as coisas, já que elas são relativas mesmo. E também porque uma visão relativista é muito abrangende e pode dar margem para inúmeras interpretações, possivelmente esdrúxulas inclusive.
Com isso, tenta-se escapar deste impasse simplesmente preterindo o relativismo.

Já vi muitas pessoas usando o termo com sentido pejorativo, como: "ah, mas vc está sendo relativista", como se isto invalidasse o argumento.
Argumentos relativistas não servem, ao que parece.
Tá certo que tem muita gente que faz justamente o contrário, diz que algo é relativo para não ter que explicar: "ah, isso é muito relativo, deixa pra lá", o que pra mim também não procede, ora, se algo é relativo, deve-se considerar sua relatividade, seu contexto, seus detalhes, mas isso não impede que se fale sobre algo.

Será que teorias relativistas possivelmente alimentam teorias da conspiração?

Tá, tá... estou sem plano com esta conversa.
Alguém pode me esclarecer afinal, qual o grande problema do relativismo?


O que é energia?

por Leo

Energia é uma quantidade abstrata que os físicos identificaram como útil para descrever muitos processos que ocorrem na natureza, na verdade praticamente todos. Infelizmente, energia é um conceito bem difícil de se explicar e definir, e de se imaginar também, mas vou tentar dar algumas ilustrações.

Por ser uma noção que foi abstraída a partir de diversos fenômenos bem distintos, é difícil formar uma noção unificada do que é energia, mas acho que uma imagem útil é pensar em energia ora como movimento em si, ora como um tipo de movimento concentrado. E com a importante observação de que este movimento, concentrado ou não, se transfere para outras coisas à medida que interagem.

Além disso, uma coisa importantíssima que foi constatada é que ao que sabemos a energia, esta coisa-movimento, se conserva, não podendo ser criada nem destruída, ela sempre vem de algum lugar e vai para algum lugar. É também conhecido que além da energia, duas outras grandezas fundamentais associadas ao movimento e sua direção também se conservam: o momento linear e o angular.



Três formas fundamentais de energia

Acho que a forma mais intuitiva de energia é a energia cinética, associada propriamente ao movimento dos corpos. Qualquer corpo em movimento tem energia cinética, que é dada por Ec = mv²/2, ou seja, é proporcional a sua massa e a sua velocidade ao quadrado. A proporcionalidade a massa é bem intuitiva, quanto mais coisas se movimentando, mais movimento. A proporcionalidade ao quadrado da velocidade, dá um tom não-linear, se a velocidade dobrar, a energia cinética dela irá quadruplicar. Talvez ser proporcional ao quadrado possa parecer contraintuitivo, mas até onde sabemos, energia é uma quantidade tão fundamental na dinâmica do universo quanto a velocidade (mais precisamente o momento linear). Digamos simplesmente que cada vez que se deseja aumentar um pouco o movimento se precisa de um pouco a mais de energia; ele vai se tornando mais caro conforme o aumentamos.
Em síntese, movimento é uma forma importante de energia.

Outra forma de energia menos intuitiva é a energia potencial. Imagine um campo de forças, como o campo gravitacional; os corpos num campo sofrem uma força que aponta numa certa direção e sentido. Percebeu-se que pode-se associar uma energia a um corpo pelo simples fato de ele estar imerso num campo, e quanto mais adiante no sentido do campo menos energia; por exemplo, se o campo gravitacional aponta para baixo, os corpos mais altos terão mais energia do que os que estão embaixo, porque os debaixo estão mais adiantados espacialmente no sentido do campo. Isto ocorre independentemente de eles estarem em movimento. Acho que a imagem da gravitação é interessante; sabemos que corpos mais altos tem mais energia porque eles podem ganhar movimento caindo, enquanto os que estão embaixo podem cair menos (também podem trocar seu movimento para cima por altura). Outra imagem é a de um elástico esticado vindo da direção da força, quanto mais você puxa, mais atrás vc está no sentido da força, e mais energia vc tem para expressar na forma de movimento. Estes dois exemplos correspondem respectivamente à energia potencial gravitacional e à energia potencial elástica (pode-se trocar o elástico por uma mola se for mais apropriado ao caso).


Uma terceira forma, que pode ser mais ou menos intuitiva, é a de energia na forma de luz. A luz não é feita de matéria, ela é feita de campos de força que se propagam sozinhos pelo espaço, mas que pode ser trocada por energia cinética quando é absorvida (ou emitida) por um corpo. Podemos pensar na luz como pequenos pacotes de energia (feitos de campos oscilantes) que em certas situações se despreendem de corpos em movimento (tirando um pouco de sua energia) e que podem ser reincorporados a algum corpo dando a ele mais movimento.



Talvez seja interessante mencionar que embora a energia possa ser vista como se fosse uma substância, isto é, uma quantidade que se conserva se distribuindo de maneira espacialmente contínua, geralmente o que interessa é mais a diferença de nível de energia entre as partes do sistema e a forma em que ela se encontra, do que propriamente a sua quantidade.

Outras formas de energia

Há diversas outras formas de energia que são derivadas destas, a energia térmica por exemplo, que é trocada como calor, corresponde à energia cinética das moléculas, ou seja, é o próprio movimento das partículas. Quando se aquece vapor num compartimento com paredes móveis, ele se expande, pois as moléculas estando mais agitadas exercem pressão maior sobre as paredes do compartimento. Ou seja, o movimento das moléculas é transferido às paredes, voltando a forma macroscópica de energia cinética que mencionei.

A energia da corrente elétrica nada mais é do que a energia cinética de todos aqueles elétrons que estão se movimentando. E a convertemos em outras formas fazendo com que ela passe por diversos circuitos nos quais transferem esta energia a outros objetos. Devido ao modo como os campos elétricos funcionam, quando um elétron tem sua velocidade alterada em direção ou intensidade ele emite luz, perdendo parte da sua energia. Quando se movimenta um campo magnético, gera-se também aceleração (mudança de movimento) nos elétrons presentes nele, como se estivesse alterando a posição dos elásticos tornando-os mais frouxos ou esticados, ou se subindo o chão fazendo com que os objetos possam cair menos. Corpos com carga elétrica próximos também tem uma energia potencial associada, devido às forças que exercem um sobre os outros.

A energia química até onde sei é uma mistura de energia cinética e potencial, está em parte no movimento dos elétrons e dos núcleos atômicos, e em parte nas forças que exercem uns sobre os outros (campos), dependendo da sua configuração espacial. Quando os átomos se associam nas ligações químicas, geralmente absorvem ou emitem um pouco de energia no processo, fazendo com que possam ser consideradas como armazenando energia (ou faltando), que pode ser liberada ou absorvida quando ela for quebrada, geralmente na forma de luz e calor.


Finalmente, existe a massa, que também foi descoberta ser uma forma de energia; sinceramente não entendo muito bem como isto funciona, mas sabe-se que em certas circunstâncias, luz de alta energia na presença de campos se transforma em partículas com massa, por exemplo um par elétron-positron formado por um raio gama passando próximo a um núcleo atômico, ou um raio gama sendo produzido pela aniquilação de um par partícula-antipartícula, ou em alguma outra reação de partículas. Massa parece ser uma espécie de estado confinado da energia, que ocorre de forma estável sob certas circunstâncias favoráveis de campos por exemplo, no qual ela pode adquirir propriedades especiais, como inércia e carga. Dependendo da energia dos campos numa região do espaço, diferentes formas de matéria se tornam mais ou menos estáveis.

Há outras formas de energia derivada destas, mas acho que todas as mais comuns se baseiam nas 3 formas fundamentais que citei.


Entropia

Considere a situação onde se tem um monte de partículas que se movimentam sem nenhuma preferência para qualquer direção que esteja disponível a elas, se elas estiverem concentradas numa região do espaço mais do que em outras, é esperado que elas se distribuam mais homogeneamente conforme o tempo passa, simplesmente porque é mais provável que o lugar que tem mais mande mais partículas para o lugar que onde há menos do que o contrário. E a energia parece ter este tipo de comportamento, a luz tende a se espalhar pelo espaço, as partículas de matéria também (por inércia, descontando forças atrativas como a gravitacional), e até a energia dos campos tende a ser distribuída com alguma homogeneidade (dependendo um tanto das circunstâncias). Isto faz com que naturalmente a energia se transmita com mais frequência de regiões mais concentradas para menos concentradas, é por isto que os objetos esfriam quando estão num meio menos quente que eles (e esquentam na condição contrária), é por isso que a maioria dos objetos sólidos tendem a se fragmentar mas não a se rejuntar, e porque é fácil dissipar energia na forma de calor, ruído e atrito e é difícil evitar que isto ocorra.


Aparentemente nosso universo começou num estado de muita energia muito concentrada, que foi se dissipando, e nesta dissipação surgiu a matéria estável, que tornou a dissipação menos linear e mais interessante suficientemente para fazer com que nós ocorrêssemos no meio do processo. Mas a energia continua a se dissipar a todo momento, e ao que tudo indica nosso universo provavelmente caminha para uma morte térmica com a sua energia extremamente distribuída e rarefeita. Felizmente isto vai demorar bastante.


Foi identificada pelos físicos uma outra quantidade que permite comparar o quanto a energia de um sistema está distribuída, e ela foi chamada de entropia. Quanto mais distribuída está a energia num sistema, maior sua entropia, e como a energia tende naturalmente a se distribuir, a entropia dos sistemas tende a aumentar, exceto quando se faz algo para diminui-la, redistribuindo a energia nele. E como a energia não faz isso naturalmente, para diminuir a entropia de um sistema temos de distribuir mais energia do que nós concentramos, ou seja, para diminuir a entropia num lugar é necessário aumentá-la, pelo menos na mesma quantidade em algum outro. Esta tendência dos sistemas fechados a aumentar sua entropia é chamada de segunda lei da termodinâmica.

Já que a energia na verdade segue seu próprio sentido, queiramos ou não, tudo o que podemos fazer é controlar seu caminho enquanto segue este sentido, é assim que usamos a energia para realizar trabalho. Nós a redirecionamos de forma que seu fluxo produza os efeitos que desejamos. É assim que aproveitamos a queda de cachoeiras para fazer girar turbinas e assim produzir corrente elétrica, e assim que criamos a máquina a vapor ligando a expansão do gás ao movimento de pistões e rodas, assim que fazemos os elétrons girarem nos filamentos das lâmpadas para gerarem luz e é assim que os seres vivos aproveitam a energia dos alimentos e do sol para fazerem todas as reações bioquímicas que precisam para se manterem funcionando e eventualmente propagarem seus genes se reproduzindo. Os seres vivos e outros sistemas complexos estáveis se mantêm estáveis porque sua organização consegue direcionar o fluxo de energia para realizar trabalho para manter sua própria organização.



A energia dos seres vivos

Seres vivos são como máquinas, são sistemas organizados de matéria capazes de, num ambiente favorável, adquirir os recursos de matéria e energia para sustentar a manutenção e o desenvolvimento da sua organização e exercer o comportamento que levará a propagação dos seus genes por meio do desenvolvimento de novos organismos semelhantes. Esta organização é mantida ao custo de trabalho e de aumento de entropia (exportação de entropia, já que o aumento é exteriorizado). Com a exceção dos seres fotoautótrofos, que mantêm sua organização primariamente a partir da energia da luz, os demais organismos mantêm sua organização consumindo nutrientes energéticos, como carboidratos, proteínas e gorduras, e quebram estas moléculas aproveitando sua energia química para sintetizar moléculas cuja energia é mais facilmente utilizável pelas reações metabólicas da célula, das quais a principal é o ATP (que armazena energia das ligações dos fosfatos). As moléculas produzidas da quebra dos nutrientes são incorporadas ou excretadas, e a energia armazenada é direcionada às regiões onde será utilizada em reações metabólicas e permitirão ao organismo exercer o seu comportamento. Eventualmente a organização do organismo não consegue mais fazer isto com a eficiência necessária para sustentá-lo, ele vai acumulando danos a esta organização até que deixa de exercer seu metabolismo e comportamento por completo (morte).

De especial importância no metabolismo são as reações de oxiredução; como vivemos num ambiente rico em oxigênio, que é um elemento que tende a atrair fortemente elétrons para si (pela sua distribuição de campos elétricos) os organismos aproveitam esta tendência criando um ambiente interno onde o processo de oxidação (perda de elétrons, possivelmente para o oxigênio) de moléculas pode ser feito de maneira controlada, e a energia liberada direcionada a processos úteis ao metabolismo celular. Por isso, na Terra os organismos geralmente consomem compostos reduzidos (que podem doar elétrons várias vezes), e os oxidam na respiração, para produzir sua energia de subsistência.

Parte da maquinaria das mitocôndrias para gerar ATP a partir de reações de oxiredução.


A geração e o uso de energia na sociedade

A humanidade tem acumulado tecnologias cada vez mais eficientes da geração e uso de energia. A sua extração da natureza, começando na força física humana, depois com o uso de animais, queima de combustíveis, chegando à máquina a vapor, ao uso do petróleo e do carvão, e mais recentemente a energia solar e nuclear permitiu o desenvolvimento de grandes cidades e a produção de alimentos e bens de consumo em alta escala. O seu uso intensivo, em máquinas, meios de transporte, e atualmente também eletrônicos, computadores e robôs permitiu todo o desenvolvimento urbano, industrial e tecnológico que experenciamos. Atualmente o maior problema que enfrentamos é providenciar meios baratos e eficientes de geração de energia que sejam sustentáveis e pouco nocivos ao ambiente.

Você acredita em deus?

por Leo

Hoje vou falar sobre deus.


Deus é uma questão concluída há alguns anos para mim: eu não acredito, ou melhor, acredito que não exista um deus, pelo menos não um que deva ser relevante na nossa maneira de entender o universo e se conduzir nele. Ou seja, para mim deus é uma ficção criada pelos seres humanos.

É claro, muita gente acredita em Deus, ou em mais de um, e pessoalmente acho que isto não é algo sem consequências, pois pelo menos para mim, deixar de acreditar mudou consideravelmente minha maneira de ver o mundo e de me conduzir nele. Tive de repensar fortemente minhas concepções sobre nosso significado no universo, o sentido da vida e sobre a natureza da moral.

Antes de me tornar ateu, fui agnóstico por um tempo considerável, até me apresentarem a idéia de que ser agnóstico pressupõe que algo é plausível, por exemplo, pouquíssimas pessoas diriam que são agnósticas em relação a fadas, embora seja possível que elas existam. O agnosticismo pressupõe plausibilidade, pressupõe que há um certo equilíbrio de evidências nos dois lados. Eu acho que o caso de deus não é o caso.


Devo mencionar também que não sou nenhum especialista no assunto, e li relativamente pouco a respeito. Ah, e minha intenção é falar sobre deus e suas concepções e não sobre religiões e seus aspectos em geral.

Introdução

Deus e deuses são uma crença adotada por uma grande parte do mundo, quase sempre associada a outras crenças e valores de alguma religião. Assim, frequentemente se deve a uma influência religiosa com origem numa suposta revelação deste próprio deus, ou algum tipo de iluminação espiritual que de alguma forma tenha revelado sua existência. Nesta forma, a crença em deus depende de uma crença anterior no suposto evento de revelação ou iluminação, e na confiabilidade do seu relato e da sua natureza paranormal (divina no caso).

Apesar disso, a idéia de deus também pode ser analisada por si, independentemente de sua origem e concepção religiosa específica. A existência de deus, dependendo de suas características, pode ser bastante relevante e ter diversas implicações sobre a vida humana, inclusive dependendo de se acreditar ou não nele e de se se conduzir ou não por seus princípios morais. Entretanto, sem a fundamentação religiosa, deus parece ser um ser altamente inacessível, de maneira que se torna bastante difícil se saber quais são suas características e preferências. O apelo a intuição ou a sentimentos também parece ser bastante suspeito, uma vez que não sabemos se elas tem algum valor epistemológico e também por estarmos imersos num meio social cheio de pré-concepções a respeito de deus sendo facilmente influenciados. De maneira que, nesta perspectiva, mesmo que ele exista, provavelmente não podemos conhecê-lo e portanto não sabemos suas implicações sobre nossas vidas.

É claro que se pode argumentar que crenças não são adotadas somente devido a evidências e a justificação epistemológica, mas também por conveniência, necessidade psicológica, tradição, pressão social, fé, falta de contato com outras opções de crença, apelo estético, capricho, etc. também não vou discutir estes outros motivos.

Minha intenção é mais mostrar minha perspectiva sobre o assunto do que propriamente convencer pessoas a mudarem de posição.

Concepções de deus

As diferentes religiões e teologias conceberam deus de maneiras diferentes, não necessariamente excludentes:
- Deus como o princípio da existência, aquilo que justifica e dá forma a tudo que existe.
- Deus como natureza última da realidade.
- Deus como as leis naturais.
- Deus como o próprio universo, ou seus seres.
- Deus como criador do universo.
- Deus como administrador do universo.
- Deus como um ser com capacidades sobrehumanas (muito poderoso).
- Deus como o bem absoluto.
E algumas concepções mais exóticas:
- Deus como uma entidade artificial avançada com inteligência sobrehumana.
- Deus como um ser extraterrestre muito avançado.

Percebe-se que embora frequentemente tratado como um conceito bem definido, deus pode ser visto de formas bem diferentes.
Algumas pessoas tem dificuldades em imaginar deus ou acham que é algo muito vago, para este fim vou oferecer alguns modelos ilustrativos:
- Ideal metafísico: Uma coisa bem abstrata que sustenta e fundamenta a realidade.
- As leis naturais: As leis da física, por exemplo.
- A simulação: Deus é a própria simulação do mundo (Matrix).
- O designer: Um ser concreto que planejou o universo (digamos, um cientista maluco).
- O sonhador: Deus como uma mente que imagina a narração do universo.
- Superherói / Supervilão (dependendo do deus): Os deuses gregos por exemplo.
Se estiver com dificuldades em imaginar deus, pode usar alguns destes no lugar.



Características de um deus

Obviamente um deus não é um ser ordinário, tendo pelo menos algumas das seguintes:
- Existência independente e absoluta
   - Imortalidade
   - Eternidade
   - Imutabilidade
- Não-físico
- Inacessível
- Único
- Uno, coeso, uma coisa só
- Idêntico ao próprio universo, às suas leis, ou aos seres do universo
- Capacidades sobrehumanas (em grau muito alto ou em máximo grau, possivelmente infinito)
   - aBondoso ou dedicado a uma causa
   - aJusto
   - Tem muito conhecimento e informação (onisciência)
   - Onipresença
   - bInteligência
   - bConsciência
   - Perfeição (tem todas as qualidades pertinentes)
   - cSuperpoderoso
     - Supremo (não há maior e possivelmente também não igual)
     - Capacidade de fazer existir e acontecer (seja a luz)
     - Criação do universo
     - Modificação do universo e das suas leis
     - Hipereventos (eventos extraordinários)

Além dessas qualidades, ele às vezes é descrito como humanóide, e às vezes bem longe disso, sendo inconcebível e sem forma.

É claro, estas propriedades são razoavelmente independentes, deus não é um conceito necessário e intuitivo como alguns dizem, tem bastante espaço para divergências aí, as pessoas geralmente compram todo um pacote bem escolhido quando aceitam suas religiões.

Se você não acredita numa coisa com propriedades como estas que mencionei você provavelmente não acredita em deus, pode acreditar em outras coisas como espíritos, mônadas, multiversos, ou qualquer outra coisa, mas não são deus, são outra coisa. Em particular, acho que as noções de organização do universo, fundamentação da moral, vida após a morte e sentido da vida humana podem ser baseadas em diversos outros tipos de noções metafísicas sem a necessidade de envolver um deus.

Não quero delimitar uma definição de deus, mas me parece necessário que ele tenha pelo menos uma de cada grupo (a,b,c) que assinalei na lista acima (bondoso, justo ou dedicado a uma causa, inteligente ou consciente e superpoderoso), ou não parece ser razoável chamá-lo de deus (em comparação a digamos, uma lei natural). Possivelmente ser um ser extraordinário não é suficiente, a noção de deus para mim parece requerer também que a entidade seja reconhecida como um deus, como uma entidade superior e especial em algum sentido, veja por exemplo o casos de líderes divinizados.

Plausibilidade de Deus

Existem evidências ou boas razões epistemológicas para se postular Deus?
Há dois argumentos mais razoáveis na minha opinião:

- Revelação: Pelo menos um ser humano teve contato privilegiado com deus (ou alguém de sua confiança), e quis compartilhar isto com os outros, e seu relato é verdadeiro, preciso e preservado.
>> Crítica: É uma aposta bem alta, principalmente se considerarmos a quantidade de vezes que isto se diz acontecer (e na maioria das vezes não com descrições consistentes entre si), a vulnerabilidade da mente humana a delírios e auto-enganos, a facilidade com que as pessoas acreditam e propagam lendas, e a facilidade com que crenças são manipuladas. Mas é claro, é sempre possível que um deles seja verdade. O argumento da revelação é bem mais convincente se deus se revelou diretamente para você, não vou argumentar contra isso.


- Organização e complexidade do universo: O universo parece ser organizado demais para ser fruto do acaso, logo deve ter algo que o projetou e/ou o organiza.
>> Crítica: Não temos nenhum motivo para estranhar a organização do universo, já que não conhecemos nenhum outro, além disso, só poderíamos mesmo observá-la nos universos em que ela existe em algum grau (nos outros em que dá tudo errado os observadores não chegam a ser formados). Além disso, a ciência atual explica consideravelmente bem a organização do universo a partir de princípios físicos simples. Acho que o desconhecimento destas idéias são um dos grandes motivos para as pessoas ainda acreditarem em deus.



E o que deus explica?
- Suporte metafísico: deus serviria de justificação para a existência e a forma das coisas, isto é, por que as coisas existem e existem desta particular maneira; que parece ser uma questão aparentemente sem resposta possível por meios científicos, pela sua natureza metafísica.
- Origem do universo: deus explicaria de onde veio tudo.
- Justificar acontecimentos que não sabemos explicar: deus explicaria todas as anomalias e acontecimentos bizarros que não entendemos também.
>> Crítica: postular deus não parece explicar realmente estes mistérios, apenas atribuir um agente a eles, que talvez seja necessário, talvez não. O papel explicativo de deus parece ter diminuído conforme a humanidade acumulou mais explicações e entendimento a respeito do universo e de si mesma.

Algumas outras motivações (não epistemológicas) para se acreditar em deus:
- Dar sentido à vida humana.
- Justificar a existência e o isolamento da espécie humana (por que estamos sozinhos no universo?).
- Justificar a existência de princípios morais.
- Justificar psicologicamente os revéses da vida humana.
- Dar esperança de que acontecimentos ruins vão ser recompensados ou modificados e servir de recurso em momentos de desespero.
- Medo de que ser punido por não se acreditar.

Assim, os papéis que geralmente são atribuídos a deus são: justificar e dar sentido e propósito a existência humana, servir de referência ética e/ou moral absoluta, garantir justiça no mundo, dar orientação e assistência psicológica nos momentos de angústia, e explicar algo que não consigamos conceber.



Algumas considerações históricas

A crença em deus(es) certamente não existe por acaso, e me parece um interessante fenômeno psicossocial. Isto é meu entendimento leigo e especulativo de como a história da religião pode ter procedido (se alguém souber melhor pode me corrigir).

Provavelmente surgiu antes da escrita, como formas de animismo, isto é, personificação de entidades naturais, em especial o Sol. Isto me parece bem natural, uma vez que atribuir características humanas às coisas parece ser um recurso de entendimento bastante útil (e observável nas crianças por exemplo).

Os deuses provavelmente foram mais antropomorfizados quando certos indivíduos humanos começaram a ser considerados deuses também, seja por suas qualidades, seja por sua autoridade, e a partir daí provavelmente foi utilizado como forma de dominação política (teocracias). Isto provavelmente levou também às religiões organizadas.



Eventualmente alguns povos adotaram formas mais abstratas e metafísicas de deus, o que eliminou a necessidade da sua pluralidade e levou ao monoteísmo.

O monoteísmo favoreceu a crença unificada e o aparecimento de revelações e iluminados, que provavelmente eram exaltados quando convinham às autoridades religiosas, o que aumentou bastante sua credibilidade.

A religião se tornou cada vez mais organizada e oficializada, estabelecendo cada vez mais formalmente seus princípios, códigos morais e explicações, e adquiriu uma forte função social de controle moral e psicológico (e político!).



Eventualmente as teorias filosóficas e científicas começaram a disputar com as explicações adotadas pelas religiões nas suas escrituras oficiais e justificações, levando ao enfraquecimento atual de algumas, fazendo com que elas se apeguem mais aos nichos de assistência psicológica, ou a formas mais radicais fundamentalistas. Isto também tem levado ao surgimento de novas religiões, que incorporam mais elementos do conhecimento científico e tecnológico atual, e com princípios morais mais adaptados aos nossos tempos.

Discussões e argumentos

Ao longo dos anos filósofos e teólogos discutiram muitas questões a respeito de deus, das suas características e justificativas. Não quero entrar neste tópico porque é gigantesco. Basta dizer que há muitos argumentos clássicos e também muitas teorias para respondê-los (existe uma grande área da teologia chamada Apologética que tenta explicar este tipo de questões). Por exemplo existe a questão da Teodicéia de por que existe mal no mundo? Seria deus malevolente ou impotente por permiti-lo?
Para discussões deste tipo recomendo pesquisar sobre apologética, ou do lado dos ateus, tem por exemplo o livro do Dawkins (Deus, um delírio - The God delusion).

Implicações de deus existir / não existir

As pessoas às vezes falam que não importa se deus existe ou não, isto não faz diferença. Acho que este é um grande erro. Acho que é um caso do nosso viés de achar que porque não temos como saber se algo é verdade isto não faz diferença, quando isto claramente não é verdade: será que tomei a pílula ou não? Será que estou sonhando ou não? Será que estou grávida ou não?

Por exemplo, se deus existir eu posso ir para o inferno (é claro, supondo também que exista um), ou sei lá, posso ser acertado por um raio por escrever este post, se ele for facilmente irritável. É claro que é tudo sujeito a exatamente quais características deus tem, como não sabemos quais são é bem difícil dizer exatamente o que vai acontecer, mas vamos tentar examinar.

Se deus existir pode ser que:
- O universo de fato tem um princípio único e absoluto e perfeito que dá ordem e sentido a tudo.
- Exista uma entidade passional e caprichosa que brinca com as vidas humanas.
- A existência do universo, dos seres humanos e a sua tenham uma justificativa, um sentido e um propósito.
- Maneiras de pensar, decidir e agir podem de fato ser mais certas ou erradas que outras num sentido absoluto, e seremos chamados a responder por elas e julgados, e talvez punidos ou recompensados, talvez por toda a eternidade! (Infelizmente não sabemos com certeza quais são as certas e quais são as erradas...) De qualquer maneira, nossas condutas de alguma forma deverão ter algum tipo de consequência moralmente compensatória no futuro.
- Acreditar em deus, adorá-lo e venerá-lo seja algo importantíssimo e que pode salvá-lo.
- Rezar, confessar e pedir orientação a deus tenham uma função fundamental de orientação espiritual.
- Deus intervenha ativamente nos acontecimentos do universo, e em particular nas vidas humanas, possivelmente inclusive a nosso pedido. Muitas coisas que não sabemos explicar podem ser provocadas por deus (milagres acontecem).
- Possivelmente alguma das religiões atuais é a verdadeira.
- Talvez os seres humanos tenham de fato algum papel especial no universo.


Por outro lado, se deus não existir, parece provável que:
- Deus é só uma ficção que os humanos inventaram por conveniência psicológica para suportar melhor a realidade, tentar entendê-la e justificar seus princípios morais.
- O mundo é injusto mesmo, alguns nascem saudáveis, inteligentes, bonitos e ricos, outros doentes, burros, feios e pobres, alguns fazem o diabo enquanto outros se matam pelos outros e ninguém está nem aí pra isto, ninguém vai pagar nem ganhar nada no final.
- A vida é dura e não tem nenhum ser invisível para cuidar de nós, temos de nos cuidar, sermos responsáveis, mantermos bons relacionamentos e coisas deste tipo se quisermos ter garantias nos momentos ruins. Aprender sobre a psicologia humana também pode ajudar um pouco a suportar e entender as coisas.
- O ser humano é só um primata que surgiu neste planetinha num canto do universo, e que ao invés de se ocupar somente com comer, sobreviver e se reproduzir começou a pensar no sentido de tudo isto.
- O sentido da vida humana é criado por nós mesmos, diante da nossa situação existencial. Não é dado por uma entidade superior e externa a nós.
- Não há um grande plano para a humanidade, nós estamos fazendo o grande plano, é melhor pensarmos no que estamos fazendo.
- Tudo é permitido: temos liberdade total, sendo limitados apenas por nossa sorte, situação e capacidades, o que queremos fazer com esta liberdade?
- Princípios éticos e morais não são absolutos, são criados por nós, para nossa própria conveniência. O que será que realmente importa e como devemos nos conduzir então?
- Adotar crenças como as religiosas pode ser bom para quem não tem orientação moral melhor, mas leva a uma série de arbitrariedade de condutas que geram infelicidade desnecessária em muitos casos (por exemplo, proibição do aborto ou de métodos anticoncepcionais, condenação da homossexualidade, guerras religiosas, adoção de visões idealizadas e mistificadas do mundo, etc.)


É isto, espero que tenham boas reflexões sobre deus. =)

É melhor perguntar demais do que de menos.

por Outro corpo em movimento

Estive pensando que as pessoas utilizam uma espécie de método indutivo em suas relações pessoais. E de um jeito bem mal feito, eu diria.
O que me parece que acontece é que as pessoas tentam evitar ao máximo uma investigação ativa sobre o que as pessoas ao seu redor sentem. Então, em casos onde é preciso levar em conta as preferências de outrem, costuma-se supor quais sejam elas em vez de questioná-las. Esta suposição é feita indutivamente, levando-se em conta a repetição de acontecimentos.
Acho que a parte ruim disso talvez não esteja no método indutivo, mas por não haver rigor.
Por exemplo: se eu falar sobre x umas 3 vezes e uma determinada pessoa reagir mal, provavelmente vou concluir que ela não gosta do assunto x e o evitarei imaginando que quando eu falar de x de novo ela não vai gostar. Neste caso parece bem mais sensato fazer isso mesmo, evitar o assunto, mas eu acredito que seria melhor se perguntássemos pra pessoa por que ela regae mal diante do assunto x, pois a indicação de que ela não gosta do assunto não explica porque ela não gosta, é apenas um dado repetido, a partir do qual não se pode concluir muita coisa, como no paradoxo do corvo ( http://en.wikipedia.org/wiki/Raven_paradox )
Tá, estou falando de comportamentalismo, mas acho que não é só isso.
Minha crítica é sobre as pessoas concluirem coisas em vez de perguntar ou investigar melhor. Não achei nenhum bom exemplo onde isso ocorre nitidamente, mas quando pensar em algum eu posto nos comentários.
Relacionei esta forma de conduta com o método indutivo porque um dos aspectos negativos de se usar o método indutivo é que muitas vezes ele não diz nada além de corroborar com certas suposições baseadas na repetição de acontecimentos. O fato de certos acontecimentos se repetirem só mostra que eles se repetem mas não mostra porque.
No caso das relações pessoais, se entendessemos porque determinada situação acontece (como a pessoa não reagir bem assunto x) poderíamos tentar fazer alguma coisa em relação a isso enquanto que apenas constatar que a pessoa não gosta do assunto e evitá-lo não muda nada.

Ainda não falei sobre a pior parte deste tipo de conduta: a grande probabilidade de se concluir coisas erradas.
O que ocorre é que não se pergunta pra pessoa porque ela não gosta de falar de x, mas com base em alguns dados conlcui-se que ela não gosta de falar de x pelo motivo y. Então molda-se um paradigma de como agir com a pessoa, considerando como certo o motivo y.
Penso que isto é bastante perigoso. É como tentar instalar um chuveiro sem saber a voltagem do lugar onde ele será instalado. A partir de alguns dados conclui-se que a voltagem é 110 e instala-se o chuveiro, só que neste caso, se a conclusão estiver errada provavelmente a resistência vai queimar e poderemos pensar num plano B.
Mas imaginemos que a resistência não queimasse e o chuveiro funcionasse, só que com pouca eficiência, gastasse mais energia e houvesse um risco iminente de acontecer uma explosão durante os banhos. Assim teríamos banhos de má qualidade por causa de uma conclusão errada e nem saberíamos disso, pois pra todos os efeitos, o chuveiro funcionaria normalmente, dando a falsa impressão de que estava certa a conslusão de que a voltagem era 110.
É isso o que acaba acontecendo nas relações pessoais com muita frequência. Muitas vezes gera-se um circuito de situações ruins que poderia ter sido evitado com uma simples pergunta. Como no caso do chuveiro, que bastava dar um jeito de descobrir qual a voltagem do lugar onde ele seria instalado. Talvez desse trabalho descobrir esta informação, mas certamente seria um desgaste bem menor do que o posterior desgaste resultante da instalação inadequada.
Acredito que não se deve economizar perguntas nem esclarecimentos nas relações pessoais, pois me parece bem mais saudável que se diga e pergunte coisas a mais do que coisas a menos.
Acho que o custo de se investigar melhor as pessoas é bem menor do que o prejuizo que temos em ficar tentando concluir coisas sobre elas sem de fato investigá-las.