Você acredita em deus?
por Leo
Hoje vou falar sobre deus.
Deus é uma questão concluída há alguns anos para mim: eu não acredito, ou melhor, acredito que não exista um deus, pelo menos não um que deva ser relevante na nossa maneira de entender o universo e se conduzir nele. Ou seja, para mim deus é uma ficção criada pelos seres humanos.
É claro, muita gente acredita em Deus, ou em mais de um, e pessoalmente acho que isto não é algo sem consequências, pois pelo menos para mim, deixar de acreditar mudou consideravelmente minha maneira de ver o mundo e de me conduzir nele. Tive de repensar fortemente minhas concepções sobre nosso significado no universo, o sentido da vida e sobre a natureza da moral.
Antes de me tornar ateu, fui agnóstico por um tempo considerável, até me apresentarem a idéia de que ser agnóstico pressupõe que algo é plausível, por exemplo, pouquíssimas pessoas diriam que são agnósticas em relação a fadas, embora seja possível que elas existam. O agnosticismo pressupõe plausibilidade, pressupõe que há um certo equilíbrio de evidências nos dois lados. Eu acho que o caso de deus não é o caso.
Devo mencionar também que não sou nenhum especialista no assunto, e li relativamente pouco a respeito. Ah, e minha intenção é falar sobre deus e suas concepções e não sobre religiões e seus aspectos em geral.
Introdução
Deus e deuses são uma crença adotada por uma grande parte do mundo, quase sempre associada a outras crenças e valores de alguma religião. Assim, frequentemente se deve a uma influência religiosa com origem numa suposta revelação deste próprio deus, ou algum tipo de iluminação espiritual que de alguma forma tenha revelado sua existência. Nesta forma, a crença em deus depende de uma crença anterior no suposto evento de revelação ou iluminação, e na confiabilidade do seu relato e da sua natureza paranormal (divina no caso).
Apesar disso, a idéia de deus também pode ser analisada por si, independentemente de sua origem e concepção religiosa específica. A existência de deus, dependendo de suas características, pode ser bastante relevante e ter diversas implicações sobre a vida humana, inclusive dependendo de se acreditar ou não nele e de se se conduzir ou não por seus princípios morais. Entretanto, sem a fundamentação religiosa, deus parece ser um ser altamente inacessível, de maneira que se torna bastante difícil se saber quais são suas características e preferências. O apelo a intuição ou a sentimentos também parece ser bastante suspeito, uma vez que não sabemos se elas tem algum valor epistemológico e também por estarmos imersos num meio social cheio de pré-concepções a respeito de deus sendo facilmente influenciados. De maneira que, nesta perspectiva, mesmo que ele exista, provavelmente não podemos conhecê-lo e portanto não sabemos suas implicações sobre nossas vidas.
É claro que se pode argumentar que crenças não são adotadas somente devido a evidências e a justificação epistemológica, mas também por conveniência, necessidade psicológica, tradição, pressão social, fé, falta de contato com outras opções de crença, apelo estético, capricho, etc. também não vou discutir estes outros motivos.
Minha intenção é mais mostrar minha perspectiva sobre o assunto do que propriamente convencer pessoas a mudarem de posição.
Concepções de deus
As diferentes religiões e teologias conceberam deus de maneiras diferentes, não necessariamente excludentes:
- Deus como o princípio da existência, aquilo que justifica e dá forma a tudo que existe.
- Deus como natureza última da realidade.
- Deus como as leis naturais.
- Deus como o próprio universo, ou seus seres.
- Deus como criador do universo.
- Deus como administrador do universo.
- Deus como um ser com capacidades sobrehumanas (muito poderoso).
- Deus como o bem absoluto.
E algumas concepções mais exóticas:
- Deus como uma entidade artificial avançada com inteligência sobrehumana.
- Deus como um ser extraterrestre muito avançado.
Percebe-se que embora frequentemente tratado como um conceito bem definido, deus pode ser visto de formas bem diferentes.
Algumas pessoas tem dificuldades em imaginar deus ou acham que é algo muito vago, para este fim vou oferecer alguns modelos ilustrativos:
- Ideal metafísico: Uma coisa bem abstrata que sustenta e fundamenta a realidade.
- As leis naturais: As leis da física, por exemplo.
- A simulação: Deus é a própria simulação do mundo (Matrix).
- O designer: Um ser concreto que planejou o universo (digamos, um cientista maluco).
- O sonhador: Deus como uma mente que imagina a narração do universo.
- Superherói / Supervilão (dependendo do deus): Os deuses gregos por exemplo.
Se estiver com dificuldades em imaginar deus, pode usar alguns destes no lugar.
Características de um deus
Obviamente um deus não é um ser ordinário, tendo pelo menos algumas das seguintes:
- Existência independente e absoluta
- Imortalidade
- Eternidade
- Imutabilidade
- Não-físico
- Inacessível
- Único
- Uno, coeso, uma coisa só
- Idêntico ao próprio universo, às suas leis, ou aos seres do universo
- Capacidades sobrehumanas (em grau muito alto ou em máximo grau, possivelmente infinito)
- aBondoso ou dedicado a uma causa
- aJusto
- Tem muito conhecimento e informação (onisciência)
- Onipresença
- bInteligência
- bConsciência
- Perfeição (tem todas as qualidades pertinentes)
- cSuperpoderoso
- Supremo (não há maior e possivelmente também não igual)
- Capacidade de fazer existir e acontecer (seja a luz)
- Criação do universo
- Modificação do universo e das suas leis
- Hipereventos (eventos extraordinários)
Além dessas qualidades, ele às vezes é descrito como humanóide, e às vezes bem longe disso, sendo inconcebível e sem forma.
É claro, estas propriedades são razoavelmente independentes, deus não é um conceito necessário e intuitivo como alguns dizem, tem bastante espaço para divergências aí, as pessoas geralmente compram todo um pacote bem escolhido quando aceitam suas religiões.
Se você não acredita numa coisa com propriedades como estas que mencionei você provavelmente não acredita em deus, pode acreditar em outras coisas como espíritos, mônadas, multiversos, ou qualquer outra coisa, mas não são deus, são outra coisa. Em particular, acho que as noções de organização do universo, fundamentação da moral, vida após a morte e sentido da vida humana podem ser baseadas em diversos outros tipos de noções metafísicas sem a necessidade de envolver um deus.
Não quero delimitar uma definição de deus, mas me parece necessário que ele tenha pelo menos uma de cada grupo (a,b,c) que assinalei na lista acima (bondoso, justo ou dedicado a uma causa, inteligente ou consciente e superpoderoso), ou não parece ser razoável chamá-lo de deus (em comparação a digamos, uma lei natural). Possivelmente ser um ser extraordinário não é suficiente, a noção de deus para mim parece requerer também que a entidade seja reconhecida como um deus, como uma entidade superior e especial em algum sentido, veja por exemplo o casos de líderes divinizados.
Plausibilidade de Deus
Existem evidências ou boas razões epistemológicas para se postular Deus?
Há dois argumentos mais razoáveis na minha opinião:
- Revelação: Pelo menos um ser humano teve contato privilegiado com deus (ou alguém de sua confiança), e quis compartilhar isto com os outros, e seu relato é verdadeiro, preciso e preservado.
>> Crítica: É uma aposta bem alta, principalmente se considerarmos a quantidade de vezes que isto se diz acontecer (e na maioria das vezes não com descrições consistentes entre si), a vulnerabilidade da mente humana a delírios e auto-enganos, a facilidade com que as pessoas acreditam e propagam lendas, e a facilidade com que crenças são manipuladas. Mas é claro, é sempre possível que um deles seja verdade. O argumento da revelação é bem mais convincente se deus se revelou diretamente para você, não vou argumentar contra isso.
- Organização e complexidade do universo: O universo parece ser organizado demais para ser fruto do acaso, logo deve ter algo que o projetou e/ou o organiza.
>> Crítica: Não temos nenhum motivo para estranhar a organização do universo, já que não conhecemos nenhum outro, além disso, só poderíamos mesmo observá-la nos universos em que ela existe em algum grau (nos outros em que dá tudo errado os observadores não chegam a ser formados). Além disso, a ciência atual explica consideravelmente bem a organização do universo a partir de princípios físicos simples. Acho que o desconhecimento destas idéias são um dos grandes motivos para as pessoas ainda acreditarem em deus.
E o que deus explica?
- Suporte metafísico: deus serviria de justificação para a existência e a forma das coisas, isto é, por que as coisas existem e existem desta particular maneira; que parece ser uma questão aparentemente sem resposta possível por meios científicos, pela sua natureza metafísica.
- Origem do universo: deus explicaria de onde veio tudo.
- Justificar acontecimentos que não sabemos explicar: deus explicaria todas as anomalias e acontecimentos bizarros que não entendemos também.
>> Crítica: postular deus não parece explicar realmente estes mistérios, apenas atribuir um agente a eles, que talvez seja necessário, talvez não. O papel explicativo de deus parece ter diminuído conforme a humanidade acumulou mais explicações e entendimento a respeito do universo e de si mesma.
Algumas outras motivações (não epistemológicas) para se acreditar em deus:
- Dar sentido à vida humana.
- Justificar a existência e o isolamento da espécie humana (por que estamos sozinhos no universo?).
- Justificar a existência de princípios morais.
- Justificar psicologicamente os revéses da vida humana.
- Dar esperança de que acontecimentos ruins vão ser recompensados ou modificados e servir de recurso em momentos de desespero.
- Medo de que ser punido por não se acreditar.
Assim, os papéis que geralmente são atribuídos a deus são: justificar e dar sentido e propósito a existência humana, servir de referência ética e/ou moral absoluta, garantir justiça no mundo, dar orientação e assistência psicológica nos momentos de angústia, e explicar algo que não consigamos conceber.
Algumas considerações históricas
A crença em deus(es) certamente não existe por acaso, e me parece um interessante fenômeno psicossocial. Isto é meu entendimento leigo e especulativo de como a história da religião pode ter procedido (se alguém souber melhor pode me corrigir).
Provavelmente surgiu antes da escrita, como formas de animismo, isto é, personificação de entidades naturais, em especial o Sol. Isto me parece bem natural, uma vez que atribuir características humanas às coisas parece ser um recurso de entendimento bastante útil (e observável nas crianças por exemplo).
Os deuses provavelmente foram mais antropomorfizados quando certos indivíduos humanos começaram a ser considerados deuses também, seja por suas qualidades, seja por sua autoridade, e a partir daí provavelmente foi utilizado como forma de dominação política (teocracias). Isto provavelmente levou também às religiões organizadas.
Eventualmente alguns povos adotaram formas mais abstratas e metafísicas de deus, o que eliminou a necessidade da sua pluralidade e levou ao monoteísmo.
O monoteísmo favoreceu a crença unificada e o aparecimento de revelações e iluminados, que provavelmente eram exaltados quando convinham às autoridades religiosas, o que aumentou bastante sua credibilidade.
A religião se tornou cada vez mais organizada e oficializada, estabelecendo cada vez mais formalmente seus princípios, códigos morais e explicações, e adquiriu uma forte função social de controle moral e psicológico (e político!).
Eventualmente as teorias filosóficas e científicas começaram a disputar com as explicações adotadas pelas religiões nas suas escrituras oficiais e justificações, levando ao enfraquecimento atual de algumas, fazendo com que elas se apeguem mais aos nichos de assistência psicológica, ou a formas mais radicais fundamentalistas. Isto também tem levado ao surgimento de novas religiões, que incorporam mais elementos do conhecimento científico e tecnológico atual, e com princípios morais mais adaptados aos nossos tempos.
Discussões e argumentos
Ao longo dos anos filósofos e teólogos discutiram muitas questões a respeito de deus, das suas características e justificativas. Não quero entrar neste tópico porque é gigantesco. Basta dizer que há muitos argumentos clássicos e também muitas teorias para respondê-los (existe uma grande área da teologia chamada Apologética que tenta explicar este tipo de questões). Por exemplo existe a questão da Teodicéia de por que existe mal no mundo? Seria deus malevolente ou impotente por permiti-lo?
Para discussões deste tipo recomendo pesquisar sobre apologética, ou do lado dos ateus, tem por exemplo o livro do Dawkins (Deus, um delírio - The God delusion).
Implicações de deus existir / não existir
As pessoas às vezes falam que não importa se deus existe ou não, isto não faz diferença. Acho que este é um grande erro. Acho que é um caso do nosso viés de achar que porque não temos como saber se algo é verdade isto não faz diferença, quando isto claramente não é verdade: será que tomei a pílula ou não? Será que estou sonhando ou não? Será que estou grávida ou não?
Por exemplo, se deus existir eu posso ir para o inferno (é claro, supondo também que exista um), ou sei lá, posso ser acertado por um raio por escrever este post, se ele for facilmente irritável. É claro que é tudo sujeito a exatamente quais características deus tem, como não sabemos quais são é bem difícil dizer exatamente o que vai acontecer, mas vamos tentar examinar.
Se deus existir pode ser que:
- O universo de fato tem um princípio único e absoluto e perfeito que dá ordem e sentido a tudo.
- Exista uma entidade passional e caprichosa que brinca com as vidas humanas.
- A existência do universo, dos seres humanos e a sua tenham uma justificativa, um sentido e um propósito.
- Maneiras de pensar, decidir e agir podem de fato ser mais certas ou erradas que outras num sentido absoluto, e seremos chamados a responder por elas e julgados, e talvez punidos ou recompensados, talvez por toda a eternidade! (Infelizmente não sabemos com certeza quais são as certas e quais são as erradas...) De qualquer maneira, nossas condutas de alguma forma deverão ter algum tipo de consequência moralmente compensatória no futuro.
- Acreditar em deus, adorá-lo e venerá-lo seja algo importantíssimo e que pode salvá-lo.
- Rezar, confessar e pedir orientação a deus tenham uma função fundamental de orientação espiritual.
- Deus intervenha ativamente nos acontecimentos do universo, e em particular nas vidas humanas, possivelmente inclusive a nosso pedido. Muitas coisas que não sabemos explicar podem ser provocadas por deus (milagres acontecem).
- Possivelmente alguma das religiões atuais é a verdadeira.
- Talvez os seres humanos tenham de fato algum papel especial no universo.
Por outro lado, se deus não existir, parece provável que:
- Deus é só uma ficção que os humanos inventaram por conveniência psicológica para suportar melhor a realidade, tentar entendê-la e justificar seus princípios morais.
- O mundo é injusto mesmo, alguns nascem saudáveis, inteligentes, bonitos e ricos, outros doentes, burros, feios e pobres, alguns fazem o diabo enquanto outros se matam pelos outros e ninguém está nem aí pra isto, ninguém vai pagar nem ganhar nada no final.
- A vida é dura e não tem nenhum ser invisível para cuidar de nós, temos de nos cuidar, sermos responsáveis, mantermos bons relacionamentos e coisas deste tipo se quisermos ter garantias nos momentos ruins. Aprender sobre a psicologia humana também pode ajudar um pouco a suportar e entender as coisas.
- O ser humano é só um primata que surgiu neste planetinha num canto do universo, e que ao invés de se ocupar somente com comer, sobreviver e se reproduzir começou a pensar no sentido de tudo isto.
- O sentido da vida humana é criado por nós mesmos, diante da nossa situação existencial. Não é dado por uma entidade superior e externa a nós.
- Não há um grande plano para a humanidade, nós estamos fazendo o grande plano, é melhor pensarmos no que estamos fazendo.
- Tudo é permitido: temos liberdade total, sendo limitados apenas por nossa sorte, situação e capacidades, o que queremos fazer com esta liberdade?
- Princípios éticos e morais não são absolutos, são criados por nós, para nossa própria conveniência. O que será que realmente importa e como devemos nos conduzir então?
- Adotar crenças como as religiosas pode ser bom para quem não tem orientação moral melhor, mas leva a uma série de arbitrariedade de condutas que geram infelicidade desnecessária em muitos casos (por exemplo, proibição do aborto ou de métodos anticoncepcionais, condenação da homossexualidade, guerras religiosas, adoção de visões idealizadas e mistificadas do mundo, etc.)
É isto, espero que tenham boas reflexões sobre deus. =)
Deus é uma questão concluída há alguns anos para mim: eu não acredito, ou melhor, acredito que não exista um deus, pelo menos não um que deva ser relevante na nossa maneira de entender o universo e se conduzir nele. Ou seja, para mim deus é uma ficção criada pelos seres humanos.
É claro, muita gente acredita em Deus, ou em mais de um, e pessoalmente acho que isto não é algo sem consequências, pois pelo menos para mim, deixar de acreditar mudou consideravelmente minha maneira de ver o mundo e de me conduzir nele. Tive de repensar fortemente minhas concepções sobre nosso significado no universo, o sentido da vida e sobre a natureza da moral.
Antes de me tornar ateu, fui agnóstico por um tempo considerável, até me apresentarem a idéia de que ser agnóstico pressupõe que algo é plausível, por exemplo, pouquíssimas pessoas diriam que são agnósticas em relação a fadas, embora seja possível que elas existam. O agnosticismo pressupõe plausibilidade, pressupõe que há um certo equilíbrio de evidências nos dois lados. Eu acho que o caso de deus não é o caso.
Devo mencionar também que não sou nenhum especialista no assunto, e li relativamente pouco a respeito. Ah, e minha intenção é falar sobre deus e suas concepções e não sobre religiões e seus aspectos em geral.
Introdução
Deus e deuses são uma crença adotada por uma grande parte do mundo, quase sempre associada a outras crenças e valores de alguma religião. Assim, frequentemente se deve a uma influência religiosa com origem numa suposta revelação deste próprio deus, ou algum tipo de iluminação espiritual que de alguma forma tenha revelado sua existência. Nesta forma, a crença em deus depende de uma crença anterior no suposto evento de revelação ou iluminação, e na confiabilidade do seu relato e da sua natureza paranormal (divina no caso).
Apesar disso, a idéia de deus também pode ser analisada por si, independentemente de sua origem e concepção religiosa específica. A existência de deus, dependendo de suas características, pode ser bastante relevante e ter diversas implicações sobre a vida humana, inclusive dependendo de se acreditar ou não nele e de se se conduzir ou não por seus princípios morais. Entretanto, sem a fundamentação religiosa, deus parece ser um ser altamente inacessível, de maneira que se torna bastante difícil se saber quais são suas características e preferências. O apelo a intuição ou a sentimentos também parece ser bastante suspeito, uma vez que não sabemos se elas tem algum valor epistemológico e também por estarmos imersos num meio social cheio de pré-concepções a respeito de deus sendo facilmente influenciados. De maneira que, nesta perspectiva, mesmo que ele exista, provavelmente não podemos conhecê-lo e portanto não sabemos suas implicações sobre nossas vidas.
É claro que se pode argumentar que crenças não são adotadas somente devido a evidências e a justificação epistemológica, mas também por conveniência, necessidade psicológica, tradição, pressão social, fé, falta de contato com outras opções de crença, apelo estético, capricho, etc. também não vou discutir estes outros motivos.
Minha intenção é mais mostrar minha perspectiva sobre o assunto do que propriamente convencer pessoas a mudarem de posição.
Concepções de deus
As diferentes religiões e teologias conceberam deus de maneiras diferentes, não necessariamente excludentes:
- Deus como o princípio da existência, aquilo que justifica e dá forma a tudo que existe.
- Deus como natureza última da realidade.
- Deus como as leis naturais.
- Deus como o próprio universo, ou seus seres.
- Deus como criador do universo.
- Deus como administrador do universo.
- Deus como um ser com capacidades sobrehumanas (muito poderoso).
- Deus como o bem absoluto.
E algumas concepções mais exóticas:
- Deus como uma entidade artificial avançada com inteligência sobrehumana.
- Deus como um ser extraterrestre muito avançado.
Percebe-se que embora frequentemente tratado como um conceito bem definido, deus pode ser visto de formas bem diferentes.
Algumas pessoas tem dificuldades em imaginar deus ou acham que é algo muito vago, para este fim vou oferecer alguns modelos ilustrativos:
- Ideal metafísico: Uma coisa bem abstrata que sustenta e fundamenta a realidade.
- As leis naturais: As leis da física, por exemplo.
- A simulação: Deus é a própria simulação do mundo (Matrix).
- O designer: Um ser concreto que planejou o universo (digamos, um cientista maluco).
- O sonhador: Deus como uma mente que imagina a narração do universo.
- Superherói / Supervilão (dependendo do deus): Os deuses gregos por exemplo.
Se estiver com dificuldades em imaginar deus, pode usar alguns destes no lugar.
Características de um deus
Obviamente um deus não é um ser ordinário, tendo pelo menos algumas das seguintes:
- Existência independente e absoluta
- Imortalidade
- Eternidade
- Imutabilidade
- Não-físico
- Inacessível
- Único
- Uno, coeso, uma coisa só
- Idêntico ao próprio universo, às suas leis, ou aos seres do universo
- Capacidades sobrehumanas (em grau muito alto ou em máximo grau, possivelmente infinito)
- aBondoso ou dedicado a uma causa
- aJusto
- Tem muito conhecimento e informação (onisciência)
- Onipresença
- bInteligência
- bConsciência
- Perfeição (tem todas as qualidades pertinentes)
- cSuperpoderoso
- Supremo (não há maior e possivelmente também não igual)
- Capacidade de fazer existir e acontecer (seja a luz)
- Criação do universo
- Modificação do universo e das suas leis
- Hipereventos (eventos extraordinários)
Além dessas qualidades, ele às vezes é descrito como humanóide, e às vezes bem longe disso, sendo inconcebível e sem forma.
É claro, estas propriedades são razoavelmente independentes, deus não é um conceito necessário e intuitivo como alguns dizem, tem bastante espaço para divergências aí, as pessoas geralmente compram todo um pacote bem escolhido quando aceitam suas religiões.
Se você não acredita numa coisa com propriedades como estas que mencionei você provavelmente não acredita em deus, pode acreditar em outras coisas como espíritos, mônadas, multiversos, ou qualquer outra coisa, mas não são deus, são outra coisa. Em particular, acho que as noções de organização do universo, fundamentação da moral, vida após a morte e sentido da vida humana podem ser baseadas em diversos outros tipos de noções metafísicas sem a necessidade de envolver um deus.
Não quero delimitar uma definição de deus, mas me parece necessário que ele tenha pelo menos uma de cada grupo (a,b,c) que assinalei na lista acima (bondoso, justo ou dedicado a uma causa, inteligente ou consciente e superpoderoso), ou não parece ser razoável chamá-lo de deus (em comparação a digamos, uma lei natural). Possivelmente ser um ser extraordinário não é suficiente, a noção de deus para mim parece requerer também que a entidade seja reconhecida como um deus, como uma entidade superior e especial em algum sentido, veja por exemplo o casos de líderes divinizados.
Plausibilidade de Deus
Existem evidências ou boas razões epistemológicas para se postular Deus?
Há dois argumentos mais razoáveis na minha opinião:
- Revelação: Pelo menos um ser humano teve contato privilegiado com deus (ou alguém de sua confiança), e quis compartilhar isto com os outros, e seu relato é verdadeiro, preciso e preservado.
>> Crítica: É uma aposta bem alta, principalmente se considerarmos a quantidade de vezes que isto se diz acontecer (e na maioria das vezes não com descrições consistentes entre si), a vulnerabilidade da mente humana a delírios e auto-enganos, a facilidade com que as pessoas acreditam e propagam lendas, e a facilidade com que crenças são manipuladas. Mas é claro, é sempre possível que um deles seja verdade. O argumento da revelação é bem mais convincente se deus se revelou diretamente para você, não vou argumentar contra isso.
- Organização e complexidade do universo: O universo parece ser organizado demais para ser fruto do acaso, logo deve ter algo que o projetou e/ou o organiza.
>> Crítica: Não temos nenhum motivo para estranhar a organização do universo, já que não conhecemos nenhum outro, além disso, só poderíamos mesmo observá-la nos universos em que ela existe em algum grau (nos outros em que dá tudo errado os observadores não chegam a ser formados). Além disso, a ciência atual explica consideravelmente bem a organização do universo a partir de princípios físicos simples. Acho que o desconhecimento destas idéias são um dos grandes motivos para as pessoas ainda acreditarem em deus.
E o que deus explica?
- Suporte metafísico: deus serviria de justificação para a existência e a forma das coisas, isto é, por que as coisas existem e existem desta particular maneira; que parece ser uma questão aparentemente sem resposta possível por meios científicos, pela sua natureza metafísica.
- Origem do universo: deus explicaria de onde veio tudo.
- Justificar acontecimentos que não sabemos explicar: deus explicaria todas as anomalias e acontecimentos bizarros que não entendemos também.
>> Crítica: postular deus não parece explicar realmente estes mistérios, apenas atribuir um agente a eles, que talvez seja necessário, talvez não. O papel explicativo de deus parece ter diminuído conforme a humanidade acumulou mais explicações e entendimento a respeito do universo e de si mesma.
Algumas outras motivações (não epistemológicas) para se acreditar em deus:
- Dar sentido à vida humana.
- Justificar a existência e o isolamento da espécie humana (por que estamos sozinhos no universo?).
- Justificar a existência de princípios morais.
- Justificar psicologicamente os revéses da vida humana.
- Dar esperança de que acontecimentos ruins vão ser recompensados ou modificados e servir de recurso em momentos de desespero.
- Medo de que ser punido por não se acreditar.
Assim, os papéis que geralmente são atribuídos a deus são: justificar e dar sentido e propósito a existência humana, servir de referência ética e/ou moral absoluta, garantir justiça no mundo, dar orientação e assistência psicológica nos momentos de angústia, e explicar algo que não consigamos conceber.
Algumas considerações históricas
A crença em deus(es) certamente não existe por acaso, e me parece um interessante fenômeno psicossocial. Isto é meu entendimento leigo e especulativo de como a história da religião pode ter procedido (se alguém souber melhor pode me corrigir).
Provavelmente surgiu antes da escrita, como formas de animismo, isto é, personificação de entidades naturais, em especial o Sol. Isto me parece bem natural, uma vez que atribuir características humanas às coisas parece ser um recurso de entendimento bastante útil (e observável nas crianças por exemplo).
Os deuses provavelmente foram mais antropomorfizados quando certos indivíduos humanos começaram a ser considerados deuses também, seja por suas qualidades, seja por sua autoridade, e a partir daí provavelmente foi utilizado como forma de dominação política (teocracias). Isto provavelmente levou também às religiões organizadas.
Eventualmente alguns povos adotaram formas mais abstratas e metafísicas de deus, o que eliminou a necessidade da sua pluralidade e levou ao monoteísmo.
O monoteísmo favoreceu a crença unificada e o aparecimento de revelações e iluminados, que provavelmente eram exaltados quando convinham às autoridades religiosas, o que aumentou bastante sua credibilidade.
A religião se tornou cada vez mais organizada e oficializada, estabelecendo cada vez mais formalmente seus princípios, códigos morais e explicações, e adquiriu uma forte função social de controle moral e psicológico (e político!).
Eventualmente as teorias filosóficas e científicas começaram a disputar com as explicações adotadas pelas religiões nas suas escrituras oficiais e justificações, levando ao enfraquecimento atual de algumas, fazendo com que elas se apeguem mais aos nichos de assistência psicológica, ou a formas mais radicais fundamentalistas. Isto também tem levado ao surgimento de novas religiões, que incorporam mais elementos do conhecimento científico e tecnológico atual, e com princípios morais mais adaptados aos nossos tempos.
Discussões e argumentos
Ao longo dos anos filósofos e teólogos discutiram muitas questões a respeito de deus, das suas características e justificativas. Não quero entrar neste tópico porque é gigantesco. Basta dizer que há muitos argumentos clássicos e também muitas teorias para respondê-los (existe uma grande área da teologia chamada Apologética que tenta explicar este tipo de questões). Por exemplo existe a questão da Teodicéia de por que existe mal no mundo? Seria deus malevolente ou impotente por permiti-lo?
Para discussões deste tipo recomendo pesquisar sobre apologética, ou do lado dos ateus, tem por exemplo o livro do Dawkins (Deus, um delírio - The God delusion).
Implicações de deus existir / não existir
As pessoas às vezes falam que não importa se deus existe ou não, isto não faz diferença. Acho que este é um grande erro. Acho que é um caso do nosso viés de achar que porque não temos como saber se algo é verdade isto não faz diferença, quando isto claramente não é verdade: será que tomei a pílula ou não? Será que estou sonhando ou não? Será que estou grávida ou não?
Por exemplo, se deus existir eu posso ir para o inferno (é claro, supondo também que exista um), ou sei lá, posso ser acertado por um raio por escrever este post, se ele for facilmente irritável. É claro que é tudo sujeito a exatamente quais características deus tem, como não sabemos quais são é bem difícil dizer exatamente o que vai acontecer, mas vamos tentar examinar.
Se deus existir pode ser que:
- O universo de fato tem um princípio único e absoluto e perfeito que dá ordem e sentido a tudo.
- Exista uma entidade passional e caprichosa que brinca com as vidas humanas.
- A existência do universo, dos seres humanos e a sua tenham uma justificativa, um sentido e um propósito.
- Maneiras de pensar, decidir e agir podem de fato ser mais certas ou erradas que outras num sentido absoluto, e seremos chamados a responder por elas e julgados, e talvez punidos ou recompensados, talvez por toda a eternidade! (Infelizmente não sabemos com certeza quais são as certas e quais são as erradas...) De qualquer maneira, nossas condutas de alguma forma deverão ter algum tipo de consequência moralmente compensatória no futuro.
- Acreditar em deus, adorá-lo e venerá-lo seja algo importantíssimo e que pode salvá-lo.
- Rezar, confessar e pedir orientação a deus tenham uma função fundamental de orientação espiritual.
- Deus intervenha ativamente nos acontecimentos do universo, e em particular nas vidas humanas, possivelmente inclusive a nosso pedido. Muitas coisas que não sabemos explicar podem ser provocadas por deus (milagres acontecem).
- Possivelmente alguma das religiões atuais é a verdadeira.
- Talvez os seres humanos tenham de fato algum papel especial no universo.
Por outro lado, se deus não existir, parece provável que:
- Deus é só uma ficção que os humanos inventaram por conveniência psicológica para suportar melhor a realidade, tentar entendê-la e justificar seus princípios morais.
- O mundo é injusto mesmo, alguns nascem saudáveis, inteligentes, bonitos e ricos, outros doentes, burros, feios e pobres, alguns fazem o diabo enquanto outros se matam pelos outros e ninguém está nem aí pra isto, ninguém vai pagar nem ganhar nada no final.
- A vida é dura e não tem nenhum ser invisível para cuidar de nós, temos de nos cuidar, sermos responsáveis, mantermos bons relacionamentos e coisas deste tipo se quisermos ter garantias nos momentos ruins. Aprender sobre a psicologia humana também pode ajudar um pouco a suportar e entender as coisas.
- O ser humano é só um primata que surgiu neste planetinha num canto do universo, e que ao invés de se ocupar somente com comer, sobreviver e se reproduzir começou a pensar no sentido de tudo isto.
- O sentido da vida humana é criado por nós mesmos, diante da nossa situação existencial. Não é dado por uma entidade superior e externa a nós.
- Não há um grande plano para a humanidade, nós estamos fazendo o grande plano, é melhor pensarmos no que estamos fazendo.
- Tudo é permitido: temos liberdade total, sendo limitados apenas por nossa sorte, situação e capacidades, o que queremos fazer com esta liberdade?
- Princípios éticos e morais não são absolutos, são criados por nós, para nossa própria conveniência. O que será que realmente importa e como devemos nos conduzir então?
- Adotar crenças como as religiosas pode ser bom para quem não tem orientação moral melhor, mas leva a uma série de arbitrariedade de condutas que geram infelicidade desnecessária em muitos casos (por exemplo, proibição do aborto ou de métodos anticoncepcionais, condenação da homossexualidade, guerras religiosas, adoção de visões idealizadas e mistificadas do mundo, etc.)
É isto, espero que tenham boas reflexões sobre deus. =)
5 Comentários:
ótimo artigo!
Deus é o invisível evidente. (Victor Hugo) - Roberto Autran Nunes
O MITO DO DEUS PAI, publicado pela Editora Biblioteca 24X7, é um livro de minha autoria que discute o Universo Inteligente, senhor de sua própria criação, mostrando de maneira definitiva que é impossível existir um Deus Pai no Universo, pois o Infinito não pode se transformar no ser finito, antropomorfo. Ele também traz uma nova teoria sobre a formação das galáxias, estrelas e até formação e evolução dos espíritos. Portanto, não é um livro materialista.
Pedro Cabral Cavalcanti
pcabralcavalcanti@gmail.com
Este comentário foi removido pelo autor.
Deus é infinitamente para além das teorias, porque Deus é, enquanto que teorias não o são. De fato, porque Deus é, mesmo que o negues, afirmas que Ele existe; porque o que não existe não se discute nem precisa de negação, afinal, não existe mesmo; pois, como falar sobre o que não há? Creio que a maior idiotice humana, é negar a evidência da existência de Deus. Então, neste sentido, tu não passas de um idiota metido a erudito, e nada mais além disto...
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