Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




O que é energia?

por Leo

Energia é uma quantidade abstrata que os físicos identificaram como útil para descrever muitos processos que ocorrem na natureza, na verdade praticamente todos. Infelizmente, energia é um conceito bem difícil de se explicar e definir, e de se imaginar também, mas vou tentar dar algumas ilustrações.

Por ser uma noção que foi abstraída a partir de diversos fenômenos bem distintos, é difícil formar uma noção unificada do que é energia, mas acho que uma imagem útil é pensar em energia ora como movimento em si, ora como um tipo de movimento concentrado. E com a importante observação de que este movimento, concentrado ou não, se transfere para outras coisas à medida que interagem.

Além disso, uma coisa importantíssima que foi constatada é que ao que sabemos a energia, esta coisa-movimento, se conserva, não podendo ser criada nem destruída, ela sempre vem de algum lugar e vai para algum lugar. É também conhecido que além da energia, duas outras grandezas fundamentais associadas ao movimento e sua direção também se conservam: o momento linear e o angular.



Três formas fundamentais de energia

Acho que a forma mais intuitiva de energia é a energia cinética, associada propriamente ao movimento dos corpos. Qualquer corpo em movimento tem energia cinética, que é dada por Ec = mv²/2, ou seja, é proporcional a sua massa e a sua velocidade ao quadrado. A proporcionalidade a massa é bem intuitiva, quanto mais coisas se movimentando, mais movimento. A proporcionalidade ao quadrado da velocidade, dá um tom não-linear, se a velocidade dobrar, a energia cinética dela irá quadruplicar. Talvez ser proporcional ao quadrado possa parecer contraintuitivo, mas até onde sabemos, energia é uma quantidade tão fundamental na dinâmica do universo quanto a velocidade (mais precisamente o momento linear). Digamos simplesmente que cada vez que se deseja aumentar um pouco o movimento se precisa de um pouco a mais de energia; ele vai se tornando mais caro conforme o aumentamos.
Em síntese, movimento é uma forma importante de energia.

Outra forma de energia menos intuitiva é a energia potencial. Imagine um campo de forças, como o campo gravitacional; os corpos num campo sofrem uma força que aponta numa certa direção e sentido. Percebeu-se que pode-se associar uma energia a um corpo pelo simples fato de ele estar imerso num campo, e quanto mais adiante no sentido do campo menos energia; por exemplo, se o campo gravitacional aponta para baixo, os corpos mais altos terão mais energia do que os que estão embaixo, porque os debaixo estão mais adiantados espacialmente no sentido do campo. Isto ocorre independentemente de eles estarem em movimento. Acho que a imagem da gravitação é interessante; sabemos que corpos mais altos tem mais energia porque eles podem ganhar movimento caindo, enquanto os que estão embaixo podem cair menos (também podem trocar seu movimento para cima por altura). Outra imagem é a de um elástico esticado vindo da direção da força, quanto mais você puxa, mais atrás vc está no sentido da força, e mais energia vc tem para expressar na forma de movimento. Estes dois exemplos correspondem respectivamente à energia potencial gravitacional e à energia potencial elástica (pode-se trocar o elástico por uma mola se for mais apropriado ao caso).


Uma terceira forma, que pode ser mais ou menos intuitiva, é a de energia na forma de luz. A luz não é feita de matéria, ela é feita de campos de força que se propagam sozinhos pelo espaço, mas que pode ser trocada por energia cinética quando é absorvida (ou emitida) por um corpo. Podemos pensar na luz como pequenos pacotes de energia (feitos de campos oscilantes) que em certas situações se despreendem de corpos em movimento (tirando um pouco de sua energia) e que podem ser reincorporados a algum corpo dando a ele mais movimento.



Talvez seja interessante mencionar que embora a energia possa ser vista como se fosse uma substância, isto é, uma quantidade que se conserva se distribuindo de maneira espacialmente contínua, geralmente o que interessa é mais a diferença de nível de energia entre as partes do sistema e a forma em que ela se encontra, do que propriamente a sua quantidade.

Outras formas de energia

Há diversas outras formas de energia que são derivadas destas, a energia térmica por exemplo, que é trocada como calor, corresponde à energia cinética das moléculas, ou seja, é o próprio movimento das partículas. Quando se aquece vapor num compartimento com paredes móveis, ele se expande, pois as moléculas estando mais agitadas exercem pressão maior sobre as paredes do compartimento. Ou seja, o movimento das moléculas é transferido às paredes, voltando a forma macroscópica de energia cinética que mencionei.

A energia da corrente elétrica nada mais é do que a energia cinética de todos aqueles elétrons que estão se movimentando. E a convertemos em outras formas fazendo com que ela passe por diversos circuitos nos quais transferem esta energia a outros objetos. Devido ao modo como os campos elétricos funcionam, quando um elétron tem sua velocidade alterada em direção ou intensidade ele emite luz, perdendo parte da sua energia. Quando se movimenta um campo magnético, gera-se também aceleração (mudança de movimento) nos elétrons presentes nele, como se estivesse alterando a posição dos elásticos tornando-os mais frouxos ou esticados, ou se subindo o chão fazendo com que os objetos possam cair menos. Corpos com carga elétrica próximos também tem uma energia potencial associada, devido às forças que exercem um sobre os outros.

A energia química até onde sei é uma mistura de energia cinética e potencial, está em parte no movimento dos elétrons e dos núcleos atômicos, e em parte nas forças que exercem uns sobre os outros (campos), dependendo da sua configuração espacial. Quando os átomos se associam nas ligações químicas, geralmente absorvem ou emitem um pouco de energia no processo, fazendo com que possam ser consideradas como armazenando energia (ou faltando), que pode ser liberada ou absorvida quando ela for quebrada, geralmente na forma de luz e calor.


Finalmente, existe a massa, que também foi descoberta ser uma forma de energia; sinceramente não entendo muito bem como isto funciona, mas sabe-se que em certas circunstâncias, luz de alta energia na presença de campos se transforma em partículas com massa, por exemplo um par elétron-positron formado por um raio gama passando próximo a um núcleo atômico, ou um raio gama sendo produzido pela aniquilação de um par partícula-antipartícula, ou em alguma outra reação de partículas. Massa parece ser uma espécie de estado confinado da energia, que ocorre de forma estável sob certas circunstâncias favoráveis de campos por exemplo, no qual ela pode adquirir propriedades especiais, como inércia e carga. Dependendo da energia dos campos numa região do espaço, diferentes formas de matéria se tornam mais ou menos estáveis.

Há outras formas de energia derivada destas, mas acho que todas as mais comuns se baseiam nas 3 formas fundamentais que citei.


Entropia

Considere a situação onde se tem um monte de partículas que se movimentam sem nenhuma preferência para qualquer direção que esteja disponível a elas, se elas estiverem concentradas numa região do espaço mais do que em outras, é esperado que elas se distribuam mais homogeneamente conforme o tempo passa, simplesmente porque é mais provável que o lugar que tem mais mande mais partículas para o lugar que onde há menos do que o contrário. E a energia parece ter este tipo de comportamento, a luz tende a se espalhar pelo espaço, as partículas de matéria também (por inércia, descontando forças atrativas como a gravitacional), e até a energia dos campos tende a ser distribuída com alguma homogeneidade (dependendo um tanto das circunstâncias). Isto faz com que naturalmente a energia se transmita com mais frequência de regiões mais concentradas para menos concentradas, é por isto que os objetos esfriam quando estão num meio menos quente que eles (e esquentam na condição contrária), é por isso que a maioria dos objetos sólidos tendem a se fragmentar mas não a se rejuntar, e porque é fácil dissipar energia na forma de calor, ruído e atrito e é difícil evitar que isto ocorra.


Aparentemente nosso universo começou num estado de muita energia muito concentrada, que foi se dissipando, e nesta dissipação surgiu a matéria estável, que tornou a dissipação menos linear e mais interessante suficientemente para fazer com que nós ocorrêssemos no meio do processo. Mas a energia continua a se dissipar a todo momento, e ao que tudo indica nosso universo provavelmente caminha para uma morte térmica com a sua energia extremamente distribuída e rarefeita. Felizmente isto vai demorar bastante.


Foi identificada pelos físicos uma outra quantidade que permite comparar o quanto a energia de um sistema está distribuída, e ela foi chamada de entropia. Quanto mais distribuída está a energia num sistema, maior sua entropia, e como a energia tende naturalmente a se distribuir, a entropia dos sistemas tende a aumentar, exceto quando se faz algo para diminui-la, redistribuindo a energia nele. E como a energia não faz isso naturalmente, para diminuir a entropia de um sistema temos de distribuir mais energia do que nós concentramos, ou seja, para diminuir a entropia num lugar é necessário aumentá-la, pelo menos na mesma quantidade em algum outro. Esta tendência dos sistemas fechados a aumentar sua entropia é chamada de segunda lei da termodinâmica.

Já que a energia na verdade segue seu próprio sentido, queiramos ou não, tudo o que podemos fazer é controlar seu caminho enquanto segue este sentido, é assim que usamos a energia para realizar trabalho. Nós a redirecionamos de forma que seu fluxo produza os efeitos que desejamos. É assim que aproveitamos a queda de cachoeiras para fazer girar turbinas e assim produzir corrente elétrica, e assim que criamos a máquina a vapor ligando a expansão do gás ao movimento de pistões e rodas, assim que fazemos os elétrons girarem nos filamentos das lâmpadas para gerarem luz e é assim que os seres vivos aproveitam a energia dos alimentos e do sol para fazerem todas as reações bioquímicas que precisam para se manterem funcionando e eventualmente propagarem seus genes se reproduzindo. Os seres vivos e outros sistemas complexos estáveis se mantêm estáveis porque sua organização consegue direcionar o fluxo de energia para realizar trabalho para manter sua própria organização.



A energia dos seres vivos

Seres vivos são como máquinas, são sistemas organizados de matéria capazes de, num ambiente favorável, adquirir os recursos de matéria e energia para sustentar a manutenção e o desenvolvimento da sua organização e exercer o comportamento que levará a propagação dos seus genes por meio do desenvolvimento de novos organismos semelhantes. Esta organização é mantida ao custo de trabalho e de aumento de entropia (exportação de entropia, já que o aumento é exteriorizado). Com a exceção dos seres fotoautótrofos, que mantêm sua organização primariamente a partir da energia da luz, os demais organismos mantêm sua organização consumindo nutrientes energéticos, como carboidratos, proteínas e gorduras, e quebram estas moléculas aproveitando sua energia química para sintetizar moléculas cuja energia é mais facilmente utilizável pelas reações metabólicas da célula, das quais a principal é o ATP (que armazena energia das ligações dos fosfatos). As moléculas produzidas da quebra dos nutrientes são incorporadas ou excretadas, e a energia armazenada é direcionada às regiões onde será utilizada em reações metabólicas e permitirão ao organismo exercer o seu comportamento. Eventualmente a organização do organismo não consegue mais fazer isto com a eficiência necessária para sustentá-lo, ele vai acumulando danos a esta organização até que deixa de exercer seu metabolismo e comportamento por completo (morte).

De especial importância no metabolismo são as reações de oxiredução; como vivemos num ambiente rico em oxigênio, que é um elemento que tende a atrair fortemente elétrons para si (pela sua distribuição de campos elétricos) os organismos aproveitam esta tendência criando um ambiente interno onde o processo de oxidação (perda de elétrons, possivelmente para o oxigênio) de moléculas pode ser feito de maneira controlada, e a energia liberada direcionada a processos úteis ao metabolismo celular. Por isso, na Terra os organismos geralmente consomem compostos reduzidos (que podem doar elétrons várias vezes), e os oxidam na respiração, para produzir sua energia de subsistência.

Parte da maquinaria das mitocôndrias para gerar ATP a partir de reações de oxiredução.


A geração e o uso de energia na sociedade

A humanidade tem acumulado tecnologias cada vez mais eficientes da geração e uso de energia. A sua extração da natureza, começando na força física humana, depois com o uso de animais, queima de combustíveis, chegando à máquina a vapor, ao uso do petróleo e do carvão, e mais recentemente a energia solar e nuclear permitiu o desenvolvimento de grandes cidades e a produção de alimentos e bens de consumo em alta escala. O seu uso intensivo, em máquinas, meios de transporte, e atualmente também eletrônicos, computadores e robôs permitiu todo o desenvolvimento urbano, industrial e tecnológico que experenciamos. Atualmente o maior problema que enfrentamos é providenciar meios baratos e eficientes de geração de energia que sejam sustentáveis e pouco nocivos ao ambiente.

Você acredita em deus?

por Leo

Hoje vou falar sobre deus.


Deus é uma questão concluída há alguns anos para mim: eu não acredito, ou melhor, acredito que não exista um deus, pelo menos não um que deva ser relevante na nossa maneira de entender o universo e se conduzir nele. Ou seja, para mim deus é uma ficção criada pelos seres humanos.

É claro, muita gente acredita em Deus, ou em mais de um, e pessoalmente acho que isto não é algo sem consequências, pois pelo menos para mim, deixar de acreditar mudou consideravelmente minha maneira de ver o mundo e de me conduzir nele. Tive de repensar fortemente minhas concepções sobre nosso significado no universo, o sentido da vida e sobre a natureza da moral.

Antes de me tornar ateu, fui agnóstico por um tempo considerável, até me apresentarem a idéia de que ser agnóstico pressupõe que algo é plausível, por exemplo, pouquíssimas pessoas diriam que são agnósticas em relação a fadas, embora seja possível que elas existam. O agnosticismo pressupõe plausibilidade, pressupõe que há um certo equilíbrio de evidências nos dois lados. Eu acho que o caso de deus não é o caso.


Devo mencionar também que não sou nenhum especialista no assunto, e li relativamente pouco a respeito. Ah, e minha intenção é falar sobre deus e suas concepções e não sobre religiões e seus aspectos em geral.

Introdução

Deus e deuses são uma crença adotada por uma grande parte do mundo, quase sempre associada a outras crenças e valores de alguma religião. Assim, frequentemente se deve a uma influência religiosa com origem numa suposta revelação deste próprio deus, ou algum tipo de iluminação espiritual que de alguma forma tenha revelado sua existência. Nesta forma, a crença em deus depende de uma crença anterior no suposto evento de revelação ou iluminação, e na confiabilidade do seu relato e da sua natureza paranormal (divina no caso).

Apesar disso, a idéia de deus também pode ser analisada por si, independentemente de sua origem e concepção religiosa específica. A existência de deus, dependendo de suas características, pode ser bastante relevante e ter diversas implicações sobre a vida humana, inclusive dependendo de se acreditar ou não nele e de se se conduzir ou não por seus princípios morais. Entretanto, sem a fundamentação religiosa, deus parece ser um ser altamente inacessível, de maneira que se torna bastante difícil se saber quais são suas características e preferências. O apelo a intuição ou a sentimentos também parece ser bastante suspeito, uma vez que não sabemos se elas tem algum valor epistemológico e também por estarmos imersos num meio social cheio de pré-concepções a respeito de deus sendo facilmente influenciados. De maneira que, nesta perspectiva, mesmo que ele exista, provavelmente não podemos conhecê-lo e portanto não sabemos suas implicações sobre nossas vidas.

É claro que se pode argumentar que crenças não são adotadas somente devido a evidências e a justificação epistemológica, mas também por conveniência, necessidade psicológica, tradição, pressão social, fé, falta de contato com outras opções de crença, apelo estético, capricho, etc. também não vou discutir estes outros motivos.

Minha intenção é mais mostrar minha perspectiva sobre o assunto do que propriamente convencer pessoas a mudarem de posição.

Concepções de deus

As diferentes religiões e teologias conceberam deus de maneiras diferentes, não necessariamente excludentes:
- Deus como o princípio da existência, aquilo que justifica e dá forma a tudo que existe.
- Deus como natureza última da realidade.
- Deus como as leis naturais.
- Deus como o próprio universo, ou seus seres.
- Deus como criador do universo.
- Deus como administrador do universo.
- Deus como um ser com capacidades sobrehumanas (muito poderoso).
- Deus como o bem absoluto.
E algumas concepções mais exóticas:
- Deus como uma entidade artificial avançada com inteligência sobrehumana.
- Deus como um ser extraterrestre muito avançado.

Percebe-se que embora frequentemente tratado como um conceito bem definido, deus pode ser visto de formas bem diferentes.
Algumas pessoas tem dificuldades em imaginar deus ou acham que é algo muito vago, para este fim vou oferecer alguns modelos ilustrativos:
- Ideal metafísico: Uma coisa bem abstrata que sustenta e fundamenta a realidade.
- As leis naturais: As leis da física, por exemplo.
- A simulação: Deus é a própria simulação do mundo (Matrix).
- O designer: Um ser concreto que planejou o universo (digamos, um cientista maluco).
- O sonhador: Deus como uma mente que imagina a narração do universo.
- Superherói / Supervilão (dependendo do deus): Os deuses gregos por exemplo.
Se estiver com dificuldades em imaginar deus, pode usar alguns destes no lugar.



Características de um deus

Obviamente um deus não é um ser ordinário, tendo pelo menos algumas das seguintes:
- Existência independente e absoluta
   - Imortalidade
   - Eternidade
   - Imutabilidade
- Não-físico
- Inacessível
- Único
- Uno, coeso, uma coisa só
- Idêntico ao próprio universo, às suas leis, ou aos seres do universo
- Capacidades sobrehumanas (em grau muito alto ou em máximo grau, possivelmente infinito)
   - aBondoso ou dedicado a uma causa
   - aJusto
   - Tem muito conhecimento e informação (onisciência)
   - Onipresença
   - bInteligência
   - bConsciência
   - Perfeição (tem todas as qualidades pertinentes)
   - cSuperpoderoso
     - Supremo (não há maior e possivelmente também não igual)
     - Capacidade de fazer existir e acontecer (seja a luz)
     - Criação do universo
     - Modificação do universo e das suas leis
     - Hipereventos (eventos extraordinários)

Além dessas qualidades, ele às vezes é descrito como humanóide, e às vezes bem longe disso, sendo inconcebível e sem forma.

É claro, estas propriedades são razoavelmente independentes, deus não é um conceito necessário e intuitivo como alguns dizem, tem bastante espaço para divergências aí, as pessoas geralmente compram todo um pacote bem escolhido quando aceitam suas religiões.

Se você não acredita numa coisa com propriedades como estas que mencionei você provavelmente não acredita em deus, pode acreditar em outras coisas como espíritos, mônadas, multiversos, ou qualquer outra coisa, mas não são deus, são outra coisa. Em particular, acho que as noções de organização do universo, fundamentação da moral, vida após a morte e sentido da vida humana podem ser baseadas em diversos outros tipos de noções metafísicas sem a necessidade de envolver um deus.

Não quero delimitar uma definição de deus, mas me parece necessário que ele tenha pelo menos uma de cada grupo (a,b,c) que assinalei na lista acima (bondoso, justo ou dedicado a uma causa, inteligente ou consciente e superpoderoso), ou não parece ser razoável chamá-lo de deus (em comparação a digamos, uma lei natural). Possivelmente ser um ser extraordinário não é suficiente, a noção de deus para mim parece requerer também que a entidade seja reconhecida como um deus, como uma entidade superior e especial em algum sentido, veja por exemplo o casos de líderes divinizados.

Plausibilidade de Deus

Existem evidências ou boas razões epistemológicas para se postular Deus?
Há dois argumentos mais razoáveis na minha opinião:

- Revelação: Pelo menos um ser humano teve contato privilegiado com deus (ou alguém de sua confiança), e quis compartilhar isto com os outros, e seu relato é verdadeiro, preciso e preservado.
>> Crítica: É uma aposta bem alta, principalmente se considerarmos a quantidade de vezes que isto se diz acontecer (e na maioria das vezes não com descrições consistentes entre si), a vulnerabilidade da mente humana a delírios e auto-enganos, a facilidade com que as pessoas acreditam e propagam lendas, e a facilidade com que crenças são manipuladas. Mas é claro, é sempre possível que um deles seja verdade. O argumento da revelação é bem mais convincente se deus se revelou diretamente para você, não vou argumentar contra isso.


- Organização e complexidade do universo: O universo parece ser organizado demais para ser fruto do acaso, logo deve ter algo que o projetou e/ou o organiza.
>> Crítica: Não temos nenhum motivo para estranhar a organização do universo, já que não conhecemos nenhum outro, além disso, só poderíamos mesmo observá-la nos universos em que ela existe em algum grau (nos outros em que dá tudo errado os observadores não chegam a ser formados). Além disso, a ciência atual explica consideravelmente bem a organização do universo a partir de princípios físicos simples. Acho que o desconhecimento destas idéias são um dos grandes motivos para as pessoas ainda acreditarem em deus.



E o que deus explica?
- Suporte metafísico: deus serviria de justificação para a existência e a forma das coisas, isto é, por que as coisas existem e existem desta particular maneira; que parece ser uma questão aparentemente sem resposta possível por meios científicos, pela sua natureza metafísica.
- Origem do universo: deus explicaria de onde veio tudo.
- Justificar acontecimentos que não sabemos explicar: deus explicaria todas as anomalias e acontecimentos bizarros que não entendemos também.
>> Crítica: postular deus não parece explicar realmente estes mistérios, apenas atribuir um agente a eles, que talvez seja necessário, talvez não. O papel explicativo de deus parece ter diminuído conforme a humanidade acumulou mais explicações e entendimento a respeito do universo e de si mesma.

Algumas outras motivações (não epistemológicas) para se acreditar em deus:
- Dar sentido à vida humana.
- Justificar a existência e o isolamento da espécie humana (por que estamos sozinhos no universo?).
- Justificar a existência de princípios morais.
- Justificar psicologicamente os revéses da vida humana.
- Dar esperança de que acontecimentos ruins vão ser recompensados ou modificados e servir de recurso em momentos de desespero.
- Medo de que ser punido por não se acreditar.

Assim, os papéis que geralmente são atribuídos a deus são: justificar e dar sentido e propósito a existência humana, servir de referência ética e/ou moral absoluta, garantir justiça no mundo, dar orientação e assistência psicológica nos momentos de angústia, e explicar algo que não consigamos conceber.



Algumas considerações históricas

A crença em deus(es) certamente não existe por acaso, e me parece um interessante fenômeno psicossocial. Isto é meu entendimento leigo e especulativo de como a história da religião pode ter procedido (se alguém souber melhor pode me corrigir).

Provavelmente surgiu antes da escrita, como formas de animismo, isto é, personificação de entidades naturais, em especial o Sol. Isto me parece bem natural, uma vez que atribuir características humanas às coisas parece ser um recurso de entendimento bastante útil (e observável nas crianças por exemplo).

Os deuses provavelmente foram mais antropomorfizados quando certos indivíduos humanos começaram a ser considerados deuses também, seja por suas qualidades, seja por sua autoridade, e a partir daí provavelmente foi utilizado como forma de dominação política (teocracias). Isto provavelmente levou também às religiões organizadas.



Eventualmente alguns povos adotaram formas mais abstratas e metafísicas de deus, o que eliminou a necessidade da sua pluralidade e levou ao monoteísmo.

O monoteísmo favoreceu a crença unificada e o aparecimento de revelações e iluminados, que provavelmente eram exaltados quando convinham às autoridades religiosas, o que aumentou bastante sua credibilidade.

A religião se tornou cada vez mais organizada e oficializada, estabelecendo cada vez mais formalmente seus princípios, códigos morais e explicações, e adquiriu uma forte função social de controle moral e psicológico (e político!).



Eventualmente as teorias filosóficas e científicas começaram a disputar com as explicações adotadas pelas religiões nas suas escrituras oficiais e justificações, levando ao enfraquecimento atual de algumas, fazendo com que elas se apeguem mais aos nichos de assistência psicológica, ou a formas mais radicais fundamentalistas. Isto também tem levado ao surgimento de novas religiões, que incorporam mais elementos do conhecimento científico e tecnológico atual, e com princípios morais mais adaptados aos nossos tempos.

Discussões e argumentos

Ao longo dos anos filósofos e teólogos discutiram muitas questões a respeito de deus, das suas características e justificativas. Não quero entrar neste tópico porque é gigantesco. Basta dizer que há muitos argumentos clássicos e também muitas teorias para respondê-los (existe uma grande área da teologia chamada Apologética que tenta explicar este tipo de questões). Por exemplo existe a questão da Teodicéia de por que existe mal no mundo? Seria deus malevolente ou impotente por permiti-lo?
Para discussões deste tipo recomendo pesquisar sobre apologética, ou do lado dos ateus, tem por exemplo o livro do Dawkins (Deus, um delírio - The God delusion).

Implicações de deus existir / não existir

As pessoas às vezes falam que não importa se deus existe ou não, isto não faz diferença. Acho que este é um grande erro. Acho que é um caso do nosso viés de achar que porque não temos como saber se algo é verdade isto não faz diferença, quando isto claramente não é verdade: será que tomei a pílula ou não? Será que estou sonhando ou não? Será que estou grávida ou não?

Por exemplo, se deus existir eu posso ir para o inferno (é claro, supondo também que exista um), ou sei lá, posso ser acertado por um raio por escrever este post, se ele for facilmente irritável. É claro que é tudo sujeito a exatamente quais características deus tem, como não sabemos quais são é bem difícil dizer exatamente o que vai acontecer, mas vamos tentar examinar.

Se deus existir pode ser que:
- O universo de fato tem um princípio único e absoluto e perfeito que dá ordem e sentido a tudo.
- Exista uma entidade passional e caprichosa que brinca com as vidas humanas.
- A existência do universo, dos seres humanos e a sua tenham uma justificativa, um sentido e um propósito.
- Maneiras de pensar, decidir e agir podem de fato ser mais certas ou erradas que outras num sentido absoluto, e seremos chamados a responder por elas e julgados, e talvez punidos ou recompensados, talvez por toda a eternidade! (Infelizmente não sabemos com certeza quais são as certas e quais são as erradas...) De qualquer maneira, nossas condutas de alguma forma deverão ter algum tipo de consequência moralmente compensatória no futuro.
- Acreditar em deus, adorá-lo e venerá-lo seja algo importantíssimo e que pode salvá-lo.
- Rezar, confessar e pedir orientação a deus tenham uma função fundamental de orientação espiritual.
- Deus intervenha ativamente nos acontecimentos do universo, e em particular nas vidas humanas, possivelmente inclusive a nosso pedido. Muitas coisas que não sabemos explicar podem ser provocadas por deus (milagres acontecem).
- Possivelmente alguma das religiões atuais é a verdadeira.
- Talvez os seres humanos tenham de fato algum papel especial no universo.


Por outro lado, se deus não existir, parece provável que:
- Deus é só uma ficção que os humanos inventaram por conveniência psicológica para suportar melhor a realidade, tentar entendê-la e justificar seus princípios morais.
- O mundo é injusto mesmo, alguns nascem saudáveis, inteligentes, bonitos e ricos, outros doentes, burros, feios e pobres, alguns fazem o diabo enquanto outros se matam pelos outros e ninguém está nem aí pra isto, ninguém vai pagar nem ganhar nada no final.
- A vida é dura e não tem nenhum ser invisível para cuidar de nós, temos de nos cuidar, sermos responsáveis, mantermos bons relacionamentos e coisas deste tipo se quisermos ter garantias nos momentos ruins. Aprender sobre a psicologia humana também pode ajudar um pouco a suportar e entender as coisas.
- O ser humano é só um primata que surgiu neste planetinha num canto do universo, e que ao invés de se ocupar somente com comer, sobreviver e se reproduzir começou a pensar no sentido de tudo isto.
- O sentido da vida humana é criado por nós mesmos, diante da nossa situação existencial. Não é dado por uma entidade superior e externa a nós.
- Não há um grande plano para a humanidade, nós estamos fazendo o grande plano, é melhor pensarmos no que estamos fazendo.
- Tudo é permitido: temos liberdade total, sendo limitados apenas por nossa sorte, situação e capacidades, o que queremos fazer com esta liberdade?
- Princípios éticos e morais não são absolutos, são criados por nós, para nossa própria conveniência. O que será que realmente importa e como devemos nos conduzir então?
- Adotar crenças como as religiosas pode ser bom para quem não tem orientação moral melhor, mas leva a uma série de arbitrariedade de condutas que geram infelicidade desnecessária em muitos casos (por exemplo, proibição do aborto ou de métodos anticoncepcionais, condenação da homossexualidade, guerras religiosas, adoção de visões idealizadas e mistificadas do mundo, etc.)


É isto, espero que tenham boas reflexões sobre deus. =)

É melhor perguntar demais do que de menos.

por Outro corpo em movimento

Estive pensando que as pessoas utilizam uma espécie de método indutivo em suas relações pessoais. E de um jeito bem mal feito, eu diria.
O que me parece que acontece é que as pessoas tentam evitar ao máximo uma investigação ativa sobre o que as pessoas ao seu redor sentem. Então, em casos onde é preciso levar em conta as preferências de outrem, costuma-se supor quais sejam elas em vez de questioná-las. Esta suposição é feita indutivamente, levando-se em conta a repetição de acontecimentos.
Acho que a parte ruim disso talvez não esteja no método indutivo, mas por não haver rigor.
Por exemplo: se eu falar sobre x umas 3 vezes e uma determinada pessoa reagir mal, provavelmente vou concluir que ela não gosta do assunto x e o evitarei imaginando que quando eu falar de x de novo ela não vai gostar. Neste caso parece bem mais sensato fazer isso mesmo, evitar o assunto, mas eu acredito que seria melhor se perguntássemos pra pessoa por que ela regae mal diante do assunto x, pois a indicação de que ela não gosta do assunto não explica porque ela não gosta, é apenas um dado repetido, a partir do qual não se pode concluir muita coisa, como no paradoxo do corvo ( http://en.wikipedia.org/wiki/Raven_paradox )
Tá, estou falando de comportamentalismo, mas acho que não é só isso.
Minha crítica é sobre as pessoas concluirem coisas em vez de perguntar ou investigar melhor. Não achei nenhum bom exemplo onde isso ocorre nitidamente, mas quando pensar em algum eu posto nos comentários.
Relacionei esta forma de conduta com o método indutivo porque um dos aspectos negativos de se usar o método indutivo é que muitas vezes ele não diz nada além de corroborar com certas suposições baseadas na repetição de acontecimentos. O fato de certos acontecimentos se repetirem só mostra que eles se repetem mas não mostra porque.
No caso das relações pessoais, se entendessemos porque determinada situação acontece (como a pessoa não reagir bem assunto x) poderíamos tentar fazer alguma coisa em relação a isso enquanto que apenas constatar que a pessoa não gosta do assunto e evitá-lo não muda nada.

Ainda não falei sobre a pior parte deste tipo de conduta: a grande probabilidade de se concluir coisas erradas.
O que ocorre é que não se pergunta pra pessoa porque ela não gosta de falar de x, mas com base em alguns dados conlcui-se que ela não gosta de falar de x pelo motivo y. Então molda-se um paradigma de como agir com a pessoa, considerando como certo o motivo y.
Penso que isto é bastante perigoso. É como tentar instalar um chuveiro sem saber a voltagem do lugar onde ele será instalado. A partir de alguns dados conclui-se que a voltagem é 110 e instala-se o chuveiro, só que neste caso, se a conclusão estiver errada provavelmente a resistência vai queimar e poderemos pensar num plano B.
Mas imaginemos que a resistência não queimasse e o chuveiro funcionasse, só que com pouca eficiência, gastasse mais energia e houvesse um risco iminente de acontecer uma explosão durante os banhos. Assim teríamos banhos de má qualidade por causa de uma conclusão errada e nem saberíamos disso, pois pra todos os efeitos, o chuveiro funcionaria normalmente, dando a falsa impressão de que estava certa a conslusão de que a voltagem era 110.
É isso o que acaba acontecendo nas relações pessoais com muita frequência. Muitas vezes gera-se um circuito de situações ruins que poderia ter sido evitado com uma simples pergunta. Como no caso do chuveiro, que bastava dar um jeito de descobrir qual a voltagem do lugar onde ele seria instalado. Talvez desse trabalho descobrir esta informação, mas certamente seria um desgaste bem menor do que o posterior desgaste resultante da instalação inadequada.
Acredito que não se deve economizar perguntas nem esclarecimentos nas relações pessoais, pois me parece bem mais saudável que se diga e pergunte coisas a mais do que coisas a menos.
Acho que o custo de se investigar melhor as pessoas é bem menor do que o prejuizo que temos em ficar tentando concluir coisas sobre elas sem de fato investigá-las.

Mais do mesmo

por Outro corpo em movimento

Então...
Eu sempre fico pensando no que eu poderia escrever aqui. Tenho algumas idéias. Acabo desistindo, ou porque o assunto é vago demais, ou porque é complexo demais.
Neste caso não tenho exatamente idéia nenhuma e acho que o que vai sair é bem a toa, o que se pode considerar pior que vago, no sentindo de utilidade.
Bem, eu sempre penso em muitas coisas. Muitas mesmo. E de forma bem giratória e confusa.
Hoje, como sempre, pensei em zibilhão de coisas, mas com um pouco mais de dedicação em duas, sobre as quais gostaria de falar.
A primeira é que eu percebi que possivelmente minha maior motivação na vida é entender coisas, e talvez por isso eu deseje vivê-las, já que não sou muito eficiente (tenho preguiça) de estudar/pesquisar.
Tá, então eu quero viver pra entender melhor a vida?
Não sei não se isso é verdade. Agora me pareceu um autoengano. Vai ver que o que quero mesmo é me sentir amada.
O Leo me perguntou se eu achava que as pessoas no fundo desejam se sentir amadas e eu não soube o que responder. É, eu não sei a resposta.
Aliás, eu não sei nenhuma resposta, no fim das contas, eu acho. Porque levando-se em conta que pode haver uma grande conspiração, blá, blá, blá...
Será que há uma conspiração?
Será que as pessoas querem tanto mesmo se sentir amadas? E pra que elas querem isso? Será que é mais uma ferramenta evolutiva do mal pra perpetuar genes? É que parece que o que está por trás de tudo é sempre isso.
Enfim, esta primeira coisa que pensei não deu em nada, não consegui elaborar nenhuma teoria.
A segunda coisa é que eu pensei que uma propriedade unânime que está presente em qualquer coisa que existe é a possibilidade de transformação. Não há nada que não possa ser transformado, que fique do mesmo jeito eternamente. De um jeito ou de outro as coisas podem e provavelmente vão mudar.
Tá, isso o Heráclito já disse. Aliás, isto é algo bem broxante pra mim, eu tenho vontade de escrever mais as minhas idéias e pensamentos mas sempre penso que é muito, muito grande a possibilidade de alguém já ter pensado de um jeito bem mais eficiente sobre qualquer coisa que eu pense em escrever.
Vou continuar...
Não existe coisa que seja eterna, parece. E a transformação que as coisas sofrem parece sempre caminhar em direção ao fim delas. Será que isto tem algo a ver com entropia?
Ah, desisto.
Não adianta forçar amizade, o assunto não está saindo, mas vou postar mesmo assim, se não este blog vai enferrujar.