Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Vegetarianismo

por Leo

Não há muito consenso a respeito da questão de domesticarmos, produzirmos e matarmos animais para nosso consumo. Acho que isto se deve ao envolvimento de questões éticas fundamentais que no fim dependem de crença, preferência, interesse e conveniência pessoal.

Identifico aqui quatro questões principais:

1. Por que e como atribuir valor à vida dos outros animais?
2. O que é efetivamente prejudicial aos animais?
3. Que atitudes são efetivas a fim de evitar isto?
4. Quão viáveis e convenientes são estas atitudes na vida individual?

1. Por que e como atribuir valor à vida dos outros animais?

Creio que esta seja a mais fundamental e controversa. Não há nada que nos obrigue a atribuir valor a vida alheia, apesar de toda a moral e sentimento que desenvolvemos em sociedade. Poderíamos questionar se devemos mesmo valorizar a vida e evitar a morte e o sofrimento, e, antes de qualquer coisa, se há algum motivo razoável para valorizarmos a nossa própria. Devemos mesmo buscar a eliminação da morte e de todo tipo de sofrimento?

Na natureza, os seres vivos se alimentam um dos outros e este fato é essencial para a sustentação dos ecossistemas, mas isentamos os animais de qualquer responsabilidade, em parte por serem guiados por seus instintos e em parte porque, de qualquer forma, não haveria nenhum modo de fazê-los agir de outra forma.

Nossa sociedade alcançou um grau de desenvolvimento tecnológico que nos permite viver sem a necessidade de consumo animal, o que poderia ser encarado como a possibilidade de se eliminar um sofrimento evitável para estes, embora algo deste tipo atualmente provocaria consideráveis perdas para diversas indústrias e requeriria uma "pequena" revolução cultural.

Entretanto, falta ainda um princípio geral que fundamente tal ação, e o problema não é tão trivial. Não podemos atribuir o mesmo valor a todos os seres vivos, seria completamente impossível viver atribuindo o mesmo valor aos seres humanos, aos bois, às plantas, às formigas e a cada uma das bilhões de bactérias que habitam cada um destes. Se a base do valor for a sentiência e a base da sentiência for a complexidade do sistema nervoso, seria necessário estudar cuidadosamente cada animal para se verificar até que ponto ele é capaz de sofrer. Ou ainda, poderíamos eliminar o problema criando animais sem sistema nervoso, o que provavelmente geraria polêmicas muito maiores...

A mim parece que atribuímos valor aos seres vivos de acordo com o grau de semelhança que têm conosco, de um modo bastante egocentrista e antropocentrista. Assim, valorizamos mais um ser se ele tem a mesma cultura, os mesmos sentimentos e o mesmo comportamento aparente que nós. Mas de qualquer forma é um critério arbitrário e não vejo nenhum outro melhor para resolver a situação.

Enfim, me parece que a questão se resume a se identificar qual critério de fundamentação de valor é mais atraente e consistente com seus demais valores, e daí se verificar como ele se aplicaria aos diversos tipos de seres vivos.

2. O que é efetivamente prejudicial aos animais?

Esta parece ser uma questão mais etológica do que ética; embora a comparação de nosso comportamento com o dos animais seja uma heurística útil, não sabemos qual sua confiabilidade. Além disso, temos uma porção de preconceitos errôneos sobre suas necessidades e o que é bom ou ruim para eles. Para que possamos evitar prejudicá-los precisamos saber primeiramente quais suas necessidades reais, o que lhes causa sofrimento (e o que lhes é indiferente) e o se pode fazer em relação a isso. Há vários assuntos envolvidos aqui, o mal-trato durante a criação animal, o uso de galinhas e vacas para obtenção de ovos e leite, a domesticação de animais como gatos ou cavalos (e o que seria deles se parássemos de domesticá-los), o mal envolvido na pesca de peixes e animais marinhos, etc.

3. Que atitudes são efetivas a fim de evitar isto?

A não ser que estejamos preocupados com intenções, ações sem consequências não nos interessam. Se queremos diminuir o sofrimento dos animais, devemos nos perguntar que medidas são mais efetivas nesse sentido. Talvez devêssemos criar grandes campanhas contra o mal-trato na sua criação, ou seu abate. Talvez devêssemos preferir comer carne bovina menos nobres do que corações de galinha (supondo que isso vá gerar a morte de menos indivíduos). Embora o mercado seja um sistema altamente regulado, a ação de um único indivíduo não chega nem a afetar arredondamentos. Proporcionar debates qualificados me parece ser muito mais efetivo.

4. Quão viáveis e convenientes são estas atitudes na vida individual?

Antes de tomarmos grandes decisões, é preciso verificar se de fato temos condições de sobreviver nas condições delas, que tipo de mudanças isso gera em nossas vidas e o quão (in)conveniente isto pode ser, para que possamos decidir responsavelmente se queremos ou não tomá-las. E aí estão as questões mais práticas e presentes na nossa vida, como: meus pratos favoritos são carnes? Eu seria mais infeliz com uma dieta vegetariana? Minha rotina, meio e contexto social permitem um tal dieta? Irei reduzir meu consumo, alterar minhas opções ou interrompê-lo totalmente? Isso tornará minha vida mais saudável? Estou disposto a desenvolver uma intolerância por carne a longo prazo? Isso não poderá ser eventualmente bastante inconveniente socialmente? Estou disposto a isso? Que opções tenho?

Os problemas éticos envolvidos com animais estão longe de serem resumidos a estes, mas acho que há aí uma boa quantidade para reflexão. A propósito, ainda não tomei nenhuma decisão a respeito e continuo comendo carne...

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