Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Grupos Sociais

por Outro corpo em movimento

Aparentemente o ímpeto de resistir costuma ser superado pela tendência de servir. Como estas duas coisas se configuram de maneira antagônica na prática, costuma-se fazer uma escolha, que na maioria das vezes acaba sendo a servidão. É claro que esta escolha muito provavelmente seja algo inconsciente, mesmo sendo voluntária. Aliás, melhor do que inconsciente seria o termo “despercebida”, no sentido de distraída, desatenta, beirando a ingenuidade.

As pessoas desejam ser representadas, precisam se sentir inseridas, fazer parte de alguma coisa, se assemelhar a algum tipo de pessoa, se enquadrar um algum grupo, enfim. Isto pode ser uma necessidade criada culturalmente ou pode ser instintiva (estou usando “instintivo” com o sentido de pré-disposição intrínseca ao ser em questão). Então as pessoas aderem a algum sistema de pensamento, onde sempre há outras pessoas participantes e vão seguindo suas vidas. Esta adesão pode acontecer depois de ter sido feita uma grande busca (a pessoa fica procurando algum sistema que a conquiste); por coincidência (ao acaso a pessoa encontra pessoas que fazem coisas das quais ela gosta e passa a fazer parte daquele grupo); ou por inércia (a pessoa simplesmente continua seguindo o mesmo conjunto de valores e condutas sob o qual foi criada). Até aqui não há um grande problema. O que eu disse foi que: 1) as pessoas procuram se inserir em grupos sociais (inclusive muitas espécies animais demonstram uma atitude semelhante) e 2) Existe algum tipo de critério quando se faz isso (até mesmo a inércia pode ser considerada um critério, ainda que seja passivo e irrefletido). A problemática começa a se desenhar na medida em que as pessoas se reduzem ao grupo, se limitam a caminhar sempre até os portões que cerram aquele grupo e sem jamais ousar abri-los, voltando ao interior e desprezando que aqueles portões não existem senão ilusoriamente.

Por que isto é um problema? Porque ocorre a perda da subjetividade. A pessoa tem necessidades, pensamentos, sentimentos, desejos, curiosidades, incapacidades, tendências e incontáveis outras particularidades, e é muito improvável que existam pacotes com os quais as pessoas se identifiquem totalmente. Porém, elas não se importam em negligenciar essas singularidades, ou não sabem que o estão fazendo, talvez ingenuamente elas acreditem que o grupo contém tudo o que está contido nelas.

As medidas não funcionam porque elas só abarcam a estrutura local (e dependendo do grau de distanciamento da realidade não abarcam nem mesmo a estrutura local), e isso não costuma ser notado pelo grupo, que acredita ser capaz de reformar o todo.
O grupo tende a se fechar cada vez mais perdendo com isso a noção da realidade total, ele atrofia certas caracteristicas positivas, como a criatividade, a espontaneidade e a investigabilidade (os dados já estão fornecidos e já existe uma organização ideal para as coisas). O grupo também promove um tipo de desonestidade intelectual ao desprezar a existência de outras resoluções, outras descobertas, outras possibilidades. Com isso formam-se cada vez mais grupos isolados, aumentando o distanciamente entre eles e o retraimento de cada um deles.

O que isto tem a ver com a servidão? Fazer parte de um grupo e tomá-lo como verdade absoluta é como assinar a recepção de um pacote. Com isso está se aceitando uma série de coisas. Os grupos não costumam pensar uma coisa só, eles possuem um aparato geral de interpretação do mundo. Ao “assinar este pacote” a pessoa está servindo ao grupo tanto quanto nós costumamos dizer que um empregado conformado está servindo ao seu patrão, porque ela está ignorando outras formas de relação, outras perspectivas, ela está se limitando, se reduzindo aquilo, muitas vezes abafando suas reivindicações interiores, seus pensamentos espontâneos, como se ela precisasse estar no grupo e não pudesse correr o risco de ser “demitida”.

A resistência de fato é o que raramente acontece, porque as pessoas não querem pagar o preço que ela exige. Resistir é não perpetuar, e todos estamos perpetuando o tempo todo.

Algumas pessoas repudiam o McDonald's e acham que estão sendo revolucionárias, não se vestem de acordo com a moda mais recente e acham que estão desconstruindo. Na verdade essas pessoas só assinaram um pacote diferente do assinado pela grande massa, mas estão perpetuando o sistema tanto quanto todas as outras. Fazer isso é extremamente ínfimo, não significa praticamente nada, isso não é resistência, é simplesmente assinar um pacote que se auto-rotula revolucionário.

Conforme acontece a perda da subjetividade, há a perda da resistência, um exemplo bom disso é quando um torcedor junto ao seu grupo passa por torcedores do time adversário, age de uma forma extremamente irrefletida e não apresenta nenhuma resistência ao conjunto de valores dados pelo grupo, pelo contrário, os aceita alegremente, provocando os outros torcedores, levantando a bandeira de seu grupo, porém quando está sozinho não provoca os outros torcedores, não os insulta, passa reto. Quando ele ignora e passa ele é ele mesmo, quando provoca os outros torcedores ele é apenas um membro do grupo.

Sem dúvida é menos trabalhoso pertencer a um grupo e julgar as coisas a partir dos valores emprestados por ele, recorrendo a um código pronto, do que julgar cada situação especificamente e isso é o que todos acabamos fazendo.

Por que servimos assim voluntariamente? Porque é mais fácil. Resistir exige uma abdicação a qual aparentemente não temos a coragem de nos sujeitar. Quando tentamos resistir acabamos fazendo isso de uma maneira mecânica e tão perpetuadora quanto qualquer outra.

No fim das contas, em maior ou menor proporção, todos estamos perpetuando a sociedade com todos os seus absurdos. Os que se dizem revolucionários e os assumidamente conservadores, os carnívoros e os vegetarianos, os Skinheads e os moralistas, os defensores do modo de vida natural e os amantes de tudo o que é artificial, os pobres e os ricos, os mendigos e os grandes empresários, os homossexuais, os conservadores, enfim, praticamente todos.

2 Comentários:

Blogger Leo disse...

Gostei muito do post, eu acho que esta perda de subjetividade, esta alienação, ocorre não somente na integração a grupos, mas qualquer tipo de rede social e mesmo redes de valores; ao assumir completamente uma rede de valores, perde-se a capacidade de criticá-la, pois ela só será avaliada segundo seus próprios valores.

Acho que a perda, a alienação da subjetividade é um problema muito importante e presente nas nossas vidas.

terça-feira, julho 29, 2008 3:13:00 PM  
Blogger Unknown disse...

Muito bom, tem razão.

Acho que mesmo quem se aventura a pensar por si mesmo ainda adere às vezes ao comportamento de grupo.

domingo, dezembro 28, 2008 4:41:00 AM  

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