Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Reações repulsivas

por Leo

Hoje eu estava pensando em como são incômodas certas sensações: nojo, desprezo, monstruosidades, deformações, obscenidades, blasfêmias, o que quer que se associe a estas palavras. Creio que a associação seja bastante subjetiva, mas há sempre algumas coisas mais universais; nojo é provocado por idéias como fezes, pus, vômito, vermes, feridas, orgãos internos (principalmente quanto associados a contato tátil, oral ou genital), desprezo por características, atitudes, sentimentos e opiniões que não gostamos nos outros ou em nós mesmos, sentimo-nos assustados, horrorizados, impressionados ao ver pessoas com o corpo ou a face deformadas ou transformadas em textura e cor, sentimo-nos indignados, aflitos, ofendidos quando ouvimos falar de certas práticas sexuais ou violentas, e quando se evoca uma idéia tentando destruir a imagem de algo que valorizamos, por exemplo ridicularizando, humilhando, corrompendo algo ou alguém que consideramos admirável, puro, respeitável. Meramente ler estas descrições evoca algumas destas sensações desagradáveis, provocando um certo impulso de aversão, de evitar, de se afastar.

Não gostamos de pensar nestas coisas, elas evocam sensações ruins, elas afastam outras pessoas, por isto as deixamos à margem da nossa visão de mundo, sempre que podemos. Isto tem como efeito colateral deixar-nos vulneráveis, à medida que criamos uma aversão a algo, tornamo-nos vulneráveis a sua exposição. A Internet ilustra bem isto com os shocking videos e sites, há centenas de sites dedicados a mostrar corpos mutilados, pornografia "violenta" ou "nojenta", ou cultuando ou zombando de pessoas, idéias e imagens. Muitas pessoas procuram estes sites, e algumas os mandam para pregar peças ou sacanear alguém.

Não sei exatamente por que estou falando destas coisas, acho que é para chamar atenção para este fato, ele não é trivial. Sentimos muita repulsa por certas coisas. Provavelmente são reações muito bem explicáveis evolutivamente, estas sensações, particularmente o nojo são tipicamente associados a coisas pouco higiênicas, tóxicas ou perigosas, são um mecanismo de defesa para nos afastarmos de algo que é estatisticamente desfavorável a nossa sobrevivência. Outras como o desprezo ou a indignação parecem ter uma função mais social e psicológica, fazendo com que evitemos coisas e pessoas que não gostamos e protejamos nossos sentimentos. Bom, isto provavelmente foi e ainda é muito útil a nossa sobrevivência, mas devemos refletir a respeito, pensarmos até que ponto estas reações são convenientes, até que ponto são racionalmente coerentes.

Devemos mesmo desprezar todas as coisas pelas quais sentimos desprezo? Devemos evitar todas as idéias repulsivas? É bom lembrar que em algum grau sentimos estas coisas no cotidiano, pelas pessoas com quem nos relacionamos. Creio que todos nós às vezes as julguemos nojentas, desprezíveis, deformadas e obscenas. Acho que desmistificar estas noções instintivas pode trazer bons frutos a nossa saúde psicológica e social, ajudando a integrar estes elementos e sentimentos a nossa visão de mundo, a lidar com eles com mais naturalidade e mais racionalidade. Afinal, eles fazem parte da vida, e do mundo.

Também me pergunto como selecionamos durante nossa vida estas coisas que repudiamos, e como aprendemos e desenvolvemos este mecanismo, seriam elas parte da nossa moral, ao lado das nossas noções de tato, etiqueta e das noções éticas? Seria possível eliminar estas sensações? Seria desejável? Seriamos mais livres e mais felizes sem elas (supondo que soubéssemos maneiras melhores de lidar com elas)?

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Concordo com o que vc disse, é um assunto interessante e me leva a pensar em coisas como o "instinto do riso, do jogo e da auto-estima"; no quanto o ser humano é um ser cheio de imperfeições que deveriam ser corrigidas por intervenções transhumanistas, e no como isso é mais uma prova que mostra o quanto um Deus ou criador inteligente seria ilógico; na noção cultural asiática de aceitação da imperfeição, wabi-sabi, etc., em contraposição ao idealismo um tanto ingênuo dos gregos e ocidentais em geral de buscar a perfeição.

Acho que a aceitação da imperfeição devido à ineternidade das coisas é uma tática eficaz e útil de moldar as características internas do ser humano por meio de uma forma cultural externa, algo, por sinal, que acontece muito na cultura asiática e que a torna nesse sentido superior, eu acho.

domingo, julho 27, 2008 4:20:00 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Eu queria muito que vc assistisse ao filme "Saló", ele provoca quase todas essas sensações que vc mencionou, em alguns momentos me deu vontade de vomitar, eu queria parar de ver filme, queria até mesmo brigar com pessoal do "cine padaria" que escolheu o filme.
Bom... não sei direito porque temos essas sensações mas essa história de evolução faz muito sentido. Acho que os fatores culturais e psicologicos influnciam bastante, afinal há lugares onde as pessoas comem e fazem coisas que achamos nojentas, já ouvi falar de um pessoal lá que tiro os piolhos dos filhos e come, coisas desse tipo. Acho que é psicológico tbm porque tem pessoas que tem nojos de coisas que outras nao tem. Como sangue, ferida, pus, mal cheiro... eu mesma, acho que sou extremamente resistente a mal cheiro, feridas... já vi alguns machucados podres, fedendo, cheio de larvas e já nem tenho nojo mais. Acho que tenho mais dificuldade com sentimentos sociais.
MAs, olha só, aparentemente os animais não tem essas sensações... nojo pelo menos eu acho que eles realmente não sentem... os cachorros adoram carniça, coisa suja... e os ratos então... Se bem que os gatos detestam certos cheiros... quando o pudim se aproxima de limão ou laranja ele faz uma cara muito feia, de asco mesmo, e se afasta.
Ah, e pensando nesse negocio de evolução... aqueles que gostam de sexo com excrementos, comem coco e nao tem nojo ou que gostam de coisas bizarras seriam anormais então? E os mendigos que ficam sujos, fedidos, cheios de moscas e bichos, comem comida do lixo, podre, azeda? Vc acha que eles sentem asco ou já se acostumaram?
E aquela coisa ridicula de não se poder falar certas palavras quando se está comendo? Uma besteira, né?

terça-feira, julho 29, 2008 2:08:00 AM  
Blogger Leo disse...

Acho que os animais e pessoas tem ou não tem "nojo" de certas coisas à medida que, na sua sobrevivência, não ter nojo é mais favorável do que tê-lo, nos animais isto seria mais instintivo, creio que os cães não tenham nojo de carniça por esta ser uma fonte relevante de alimento, enquanto nos humanos acho que é mais uma questão de aprendizado (aprender ou não que algo é nojento) ou necessidade e costume. Também acho que somos bastante influenciados por aspectos simbólicos, basta ver que as pessoas sentem nojo de algumas coisas por causa de experiências traumáticas ou filmes que assistiram.

Não sei quão razoável é dizer que os animais sentem nojo, afinal os animais não devem sentir todos as mesmas coisas, talvez os primatas mais próximos do homem sintam nojo e os outros tenham outros padrões de reações aversivas.

Acho que nos humanos há bastante flexibilidade neste aspecto, creio que quando dizemos que "as pessoas se acostumam a tudo" estamos nos referindo em grande parte a estas reações. Qualquer um que tem a necessidade de lidar com estas coisas diariamente acaba se dessensibilizando, ou pelo menos adquirindo um maior controle ou tolerância sobre sua reação (creio que este seja o caso dos mendigos, soldados, médicos, lixeiros, etc). Embora eu ache que os mendigos devam sim manter um senso de nojo, afinal na situação deles, ser capaz selecionar os alimentos é crucial para a sobrevivência.

Dos que tem gostos bizarros eu não sei bem o que pensar, se assumirmos alguma teoria psicopatológica, talvez estas pessoas tenham algum mecanismo motivacional distorcido (talvez patológico) que as faça ir atrás destas coisas, por causa de algum trauma ou complexo, de modo que seriam sim anormais. Mas é algo a se verificar, talvez sejam meramente pessoas que estão estatisticamente mais longe do padrão médio, sem que haja nenhuma causa específico para isto, e portanto seriam "normais", apenas de um gosto mais exótico.

Não acho ridículo o hábito de não se falar de certas coisas enquanto se come. Como disse, a mera menção destas coisas é suficiente para provocar estas reações, principalmente quando associadas a contato oral, de modo que devem provocar uma reação sensível (como ânsia de vômito). Com o passar do tempo isto deve ter sido transformado numa regra de etiqueta e daí para um costume irrefletido, o que pode tornar uma prática sem sentido às vezes.

terça-feira, julho 29, 2008 12:35:00 PM  

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