Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Julgamentos morais arbitrários

por Outro corpo em movimento

Há algum tempo percebi que muitas vezes, quando julgamos um acontecimento que tem conseqüências negativas, nos importamos essencialmente com elas, e não com o acontecimento em si, ou seja, ignoramos totalmente o fato de que os resultados são contingentes, que podem ser x, y, z, ou qualquer outra coisa. A atitude, por sua vez, é a mesma e não deveria ser avaliada de acordo com seus efeitos. Não faz sentido maldizermos um comportamento simplesmente por ele ter tido o azar de gerar conseqüências ruins.

Parece-me muito interessante que nos questionemos se precisamos realmente julgar as pessoas, e uma vez que consideremos que sim, que sejamos ao menos justos. Poderíamos julgar as intenções, ou as atitudes apenas, isoladas de seus desencadeamentos, porém, é muito difícil investigar as intenções das pessoas, elas podem mentir, podem não saber ao certo, podem não querer compartilhar, enfim.
Vou exemplificar o que estou tentando dizer.

É bem provável que seja consensual a importância do uso de preservativos. Todos sabemos que, eventualmente ou não, as pessoas deixam de usar preservativo. Digamos que a cada dez pessoas que não evitam a gravidez três delas sejam presenteadas com um filho indesejado. Se eu fosse uma dessas pessoas, os meus pais me julgariam da pior forma possível, me condenariam pra sempre, me atormentariam tanto que eu seria capaz de adoecer com tanta culpa que eles me fariam sentir. No entanto, eles não julgariam da mesma forma se eu não tivesse tido o azar de ter engravidado.
E uma pessoa que pegou AIDS? Ela não fez nada muito diferente do que todos fazem o tempo todo, mas será considerada moralmente inferior.

A pior parte desta história é a culpa. As pessoas que julgam parecem pretender que o acusado sinta culpa, e que ela seja tão grande quanto a gravidade dos efeitos produzidos.

A culpa é um sentimento extremamente nocivo. Capaz de enlouquecer as pessoas. É um mecanismo de controle muito bem utilizado por aqueles que exercem influência e poder. Ela movimenta esse sistema arbitrário de julgamento que não teria utilidade se o objetivo final não fosse provocar o sentimento de culpa.

Se alguém acendeu um balão de São João, os que estão olhando podem achar bonito, legal ou até ousado. Porém, se esse balão acabar causando um incêndio, aquele que o acendeu será criticado e julgado duramente.

Um espírito aventureiro resolve fazer um bolo com folhas de "comigo-ninguém-pode" e propõe a alguns amigos que experimentem para ver se "dá barato", caso o efeito seja legal todos acharão o máximo, entretanto, se alguém morrer por causa do veneno da planta, o cozinheiro excêntrico será considerado a pior pessoa do mundo. Com isso, conseguimos transformar a vida de algumas pessoas num verdadeiro inferno de culpa e remorso, quando muitas vezes elas apenas tiveram o dissabor de tropeçar nos caminhos do azar.

7 Comentários:

Blogger Leo disse...

Não sei como devemos julgar as pessoas, mas acho que há algumas razões para que elas julguem desta maneira.

Primeiramente, acho que nosso julgamento moral é fortemente influenciado por emoções, e atos com consequências evocam emoções muito mais fortes. As pessoas raramente são frias nos seus julgamentos.

Em segundo lugar, muitas pessoas não refletem muito sobre as consequências, principalmente quando elas são improváveis (ie: são inconsequentes). A reflexão só tem de ser feita quando se enfrentam as consequências.

Em terceiro, é pragmático não se preocupar demais com coisas que não provocaram consequências, se fôssemos nos preocupar com todas as consequências nocivas potenciais seríamos muito mais precavidos, muito mais preocupados e moralistas, teríamos muito mais conflitos.

Em quarto, consequências não materializadas na maior parte das vezes não são claras, é difícil julgar se elas de fato poderiam ocorrer, o quão precavido ou inconsequente você foi, enquanto consequências materiais evidenciam estas coisas. A maior parte dos atos potencialmente nocivos sem consequências deve passar despercebida.

Em quinto, julgamentos morais sobre coisas que não ocorreram caem no problema que expus no "problema da imaterialidade dos valores". Embora seja uma consideração mais teórica, acho que é relevante. Atos de consequências não-realizadas não provocaram mal a ninguém, e portanto ninguém sofreu e é um pouco duvidoso dizer que algum mal foi praticado.

Enfim, não estou dizendo que o critério de julgamento das pessoas é razoável, só estou mostrando quais são as coisas que acho que o fazem ser como é. Acho que julgar as pessoas é um problema complicado, mas concordo que o julgamento de atos deveria ser feito não diretamente pelas consequências, mas de acordo com a situação e capacidade de agir do sujeito. Talvez este modo mais "consequencialista" de julgar venha do direito onde a incriminação requer provas materiais, e penas de crimes bem sucedidos são mais severas.

terça-feira, julho 29, 2008 12:53:00 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Não sei se admiro ou repudio sua maneira fria de escrever. É claro que cientificamente isso é bom, e como vc pretende ser cientista... mas confesso que as vezes não me dá muita vontade de continuar lendo.
Vc fez cinco apontamentos aí que diziam basicamente a mesma coisa, eu pensei nisso enquanto estava escrevendo e por isso mesmo não propus que deveriamos passar a julgar todas as atitudes antes mesmo de elas provocarem resultados. O que eu estou criticando é o fato de que QUANDO acontece algo ruim, ignoramos que foi um azar, ignoramos que se não tivesse dado um grande rolo nem teríamos nos importado, e colocamos uma culpa enorme na pessoa, culpa num sentido bem ruim e é principalmente isso o que me incomoda nesse sistema de julgamento, culparmos as pessoas baseando-nos em algo tão contingente, tão ocasional... e isso provavelmente gera enormes problemas pras pessoas que são julgadas. Viver sentindo culpa é angustiante, causa muito sofrimento. Devia-se evitar provocar esse sentimento nas pessoas e não incentivar (acreditando que é uma forma eficaz de corrigir as pessoas, ou fazer com que elas se arrependam ou paguem, de alguma forma, por algum dano que causaram). O resultado de uma ação não diz tanto sobre uma pessoa, pois como já disse mil vezes, é contingente... no entanto, inúmeras vezes, ele acaba sendo suficiente para que os outros a julguem.
Veja bem, é claro que estou me referindo a determinados tipos de casos... sem dúvida há diversas ocasiões em que as pessoas tinham planejado aqueles resultados, há casos em que não conhecemos direito a pessoa e não temos como julgar de forma que não seja artificial.

quarta-feira, julho 30, 2008 1:38:00 AM  
Anonymous Anônimo disse...

Ah, e que fique absolutamente claro que não estou incluindo nessa reflexão as situações que envolvem a lei e os meandros do direito!

quarta-feira, julho 30, 2008 1:50:00 AM  
Blogger Leo disse...

Não sei exatamente porque sou frio quando escrevo, acho que em parte é um artifício que eu mesmo criei para evitar que minhas emoções distorçam meu raciocínio.

Você está criticando a inconsistência do julgamento das pessoas em oprimirem apenas as ações que tiveram consequências e a imposição do sentimento de culpa.

Concordo, de fato, se a opressão moral tem uma finalidade "corretiva", não deveria atuar somente sobre as ações que acabaram tendo consequências e sim sempre que possível sobre seus princípios, embora não se possa evitar a dificuldade prática em se detectar as coisas que não tiveram consequências.

Também não concordo muito com o sentimento de culpa, não vejo muita utilidade em fazer alguém se sentir culpado, acho que ele tem uma função muito mais emocional, de provocar sofrimento no que praticou a ação, do que eficientemente corretiva, em evitar que ocorra novamente. Acho que isto mostra novamente o aspecto emocional da moral, ela não é tanto uma estrutura que garante valores éticos, mas é mais uma estrutura que nos permite expressar socialmente nossos sentimentos de raiva, indignação, medo, orgulho, compaixão, etc.

Como disse, eu não sei bem o que pensar sobre o julgamento moral. Não sei até que ponto ele é importante, necessário, útil, bom ou ruim. Não sei como ele deveria ser feito.

quarta-feira, julho 30, 2008 2:30:00 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Acho que se pode dividir a moral em moral real de um lado (o julgamento do que aconteceu em termos de bom ou ruim), e de outro lado aquilo de que trata esse assunto, a moral prática ou técnica de fazer a moral funcionar da melhor maneira (isso envolve atribuir o bem ou mal de uma ação a um agente, como forma de o responsabilizar e o fazer seguir o tipo de comportamento que seria esperado).

Essa moral prática ou técnica é uma ilusão psicológica que funciona com um fim, isto é, por mais que digam que ela tenha um fundo real, isso é falso... na realidade, acho que não existe motivo para responsabilização moral, visto que a decisão sobre as coisas, aquela que implica em moral, é feita pelo nosso cérebro determinado genetica- e ambientalmente, e não pela consciência que sofre propriamente a punição ou o efeito da culpa (a consciência é uma entidade isolada e incapaz de julgamento, para julgar precisa de um "apêndice" cerebral).... ou será que não? Preciso pensar mais...

Há várias formas de abordar essa questão, e as suas implicações. Poderia-se discutir o aspecto técnico da moral prática, discutir o que seria mais adequado, culpar ou não, responsabilizar ou não, etc. Isso é uma discussão mais difícil que depende de dados empíricos para justificar uma decisão ou outra.

Achei o post realmente muito interessante, bom para pensar. É possível que eu tenha escrito este comentário de maneira fria, sem noção ou enviesada.

quarta-feira, julho 30, 2008 7:11:00 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Jonatas... acho que enviesar é uma coisa qua sempre fazemos, sempre sempre e nem sei se tem como ser diferente. Ainda bem! Nos trabalhos academicos temos que tomar cuidado pra enviesar o mínimo possivel, temos que perpetuar conceitos, propagar as mesmas idéias de sempre e ficar redizendo o que outros já disseram, ficar roubando os viéses dos outros e ajeitando-os da forma mais pólida possível. Então, são justamente os enviesamentos que me interessam, principalmente se forem especulativos! Afinal, se eu quisesse algo diferente disso, eu iria ler um livro de um especialista.
Em relação a ser frio... eu sempre vou achar essas discuções frias, é que eu gosto de misturar as coisas, acho que dá pra ser pessoal e visar o esclarecimento ao mesmo tempo. Mas o Leo, por exemplo, não gosta muito de misturar, e esse blog segue mais o estilo dele do que o meu. Portanto, seja frio a vontade!

quinta-feira, julho 31, 2008 3:02:00 AM  
Blogger Leo disse...

Se está insatisfeita com o estilo do blog devemos conversar a respeito !

quinta-feira, julho 31, 2008 11:56:00 AM  

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