Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Minha crise de valores

por Leo

Este texto saiu aquém do que eu gostaria, mas acho que propor o tópico é mais importante do que meu contentamento em expressá-lo otimamente.

Tenho pensado sobre valores.

Entendo por valores, quaisquer coisas que se valorize, que se ache importantes, que respondam as perguntas: O que você gosta/não gosta? O que você acha certo/errado? O que você acredita/não acredita?

São objetos, pessoas, crenças, atitudes, idéias, sentimentos, sensações e posturas em relação ao mundo. Não estou tratando aqui de valores como números, grandezas, conceitos ou outros valores abstratos.

Os valores determinam o que vou preferir comer, as pessoas com quem gosto de estar, o que farei amanhã, como vou interpretar tal fato, o quanto vou gostar de tal acontecimento, por quais parceiros sexuais irei optar, o que farei da minha vida, que música irei baixar.

Eu estou em crise, porque resolvi questionar meus valores, e agora não sei mais quais e como escolhê-los.

Refletindo um pouco, notei que muitos dos valores adotados pelas pessoas tem um fundo em nossa constituição biológica; nós sentimos fome, sede, excitação sexual, sono, raiva, medo, ciúmes, tristeza, felicidade, prazer e dor, nós nos machucamos, adoecemos e morremos, nós nos acasalamos e temos filhos. Temos instintos de sobrevivência, um aparelho cognitivo e um corpo físico que nos impõem uma série de necessidades e motivações. Por esta razão, durante nossa vida, desenvolvemos gostos, crenças e tendências, que de alguma forma tentam satisfazer e conciliar estes tantos impulsos com o meio onde vivemos.

E nós ocorremos de viver em sociedade, em meio a outros indivíduos, e comunicamos estes valores, convencionamos regras e acumulamos cultura. A existência dessa sociedade, por sua vez, traz mais um monte de relações como cooperação, rivalidade, poder, propriedade, família, amizade, amor, inveja, etc. que por sua vez geram muitos outros valores.

Desta forma, concluí que nossos valores devem advir da confusa dinâmica da sociedade misturada à complicada natureza humana, resultando em uma grande coleção de leis, costumes, princípios e convenções que de alguma forma tentam racionalizar nossos valores de maneira a organizar a convivência social.

Isso me surpreendeu, pois sempre imaginei os princípios éticos e do direito como grandes leis bem fundamentadas racionalmente, e de repente me pareceram muito mais um modo meio arbitrário de separar os espaços individuais requeridos por nossos organismos, que por sua vez devem ter desenvolvido estes impulsos e necessidades pois estes favoreceram suas sobrevivências nas suas trajetórias evolutivas, que pouco tem a ver com suas vidas atuais. Ou seja, os valores que eu considerava tão bons se esfacelaram em racionalizações sociais desajeitadas de resquícios evolutivos desadaptados à realidade em que vivemos.

Foi uma desilusão. Entretanto, pensei que a ausência de valores tampouco é interessante. Um mundo sem valores é um mundo indiferente, sem valores não teríamos por que fazer nada em particular, não teríamos por que gostar de nada, nossa existência não seria mais interessante, importante, feliz ou desesperadora do que a de uma pedra. De modo que ter valores parece algo bom. E, de qualquer maneira, já que nós temos um corpo que nos traz todas essas necessidades, porque não optar por achar um jeito legal de satisfazê-las do que desprezá-las e preferir o regime da matéria inerte?

Isso me põe na posição em que estou agora, um meio termo bastante indeterminado, no qual considero que é melhor ter valores do que ser matéria inerte e por outro lado, vendo que os valores convencionais são bastante arbitrários. A questão da arbitrariedade não seria um problema tão grande se eu não fosse me deparar e conviver com tantas outras pessoas que discordam das minhas opções caprichosas.

Ultimamente tenho percebido que nem todos os valores são realmente tão adequados assim, certamente não parece bom viver num mundo onde as pessoas se matam o tempo todo, extinguem as demais espécies vivas desertificando o planeta, exercem um domínio egoísta e individualista sobre todas as outras, propagam doenças irresponsavelmente, incitam medo e geram miséria. De forma que temos algumas condições de contorno aí (que embora se baseiem numa impressão intuitiva, me parecem boas e fundamentadas o suficiente). Ademais, parece-me bom escolher valores que me permitam conviver bem comigo e com as pessoas do meu meio, por uma simples conveniência, afinal é preciso sobreviver.

Enfim, não consegui ir muito além disso. Será que não existem princípios realmente fundamentais, intrínsecos a nós capaz de determinar um pacote de valores razoável? Será que todas essas coisas que cremos e queremos são assim tão irracionais, casuais e involuntárias quanto parecem? Parece-me que, uma vez que "ter valores" é melhor do que a "inexistência de valores", a existência humana, e possivelmente de outros seres vivos, tem algum valor também. Mas o que é que torna esta existência tão interessante? Os fenômenos subjetivos? A nossa complexidade? A nossa imprevisibilidade? A nossa cultura? Os nossos valores? Nada disto está claro para mim.

E mais, provavelmente, num futuro não muito distante, nós sejamos capazes de manipular nossa própria constituição biológica a ponto de poder eliminar, alterar ou acrescentar os impulsos que nos motivam. Poderemos então ser o que quisermos. O que escolheremos?