Reflexões e desilusões
por Leo
Aviso: este é um post potencialmente triste e decepcionante, em vários graus e aspectos.
Há algum tempo que me pergunto se vale a pena pensar, questionar e refletir sobre as coisas. Isto porque apesar do meu exercício nesta tarefa, muitas vezes me angustiei com minhas conclusões, mais vezes do que me senti melhor por elas. E a reflexão parece ser um valor intelectual consensual, em geral se acredita que refletir sobre as coisas seja bom, por proporcionar esclarecimento, descobertas, quebra de preconceitos e concepções dogmáticas, e uma visão mais realista do mundo. A minha dúvida é se o custo existencial deste processo para o indivíduo não é maior que seu eventual benefício.
Há um tempo considerável que me importo em buscar crenças realistas e justificadas, por achar que distorções na visão de mundo levam a explicações erradas e a investimentos ineficazes (por exemplo, pense nas pessoas que deixam de tratar suas doenças por métodos eficazes, por acreditar em métodos ineficazes; pior ainda no caso de decisões políticas). Partimos neste processo de um estado bastante idealizado do mundo, no qual as coisas são simples, absolutas e puras, gradualmente caminhando para um quadro onde as coisas são complexas, relativas e misturadas. E isto é bem universal, vale para a nossa representação da natureza, da sociedade, das pessoas que fazem parte da nossa vida, dos nossos planos e história de vida, dos nossos sentimentos, da nossa própria identidade, da vida como um todo.
Infelizmente este processo é acompanhado de uma certa angústia existencial: refletir provoca decepções. Não sei se as decepções e desilusões são exatamente mais frequentes do que os alívios, aberturas e libertações, mas me parecem que pelo menos tem um efeito total maior. Ou seja, tende a tornar as pessoas menos felizes. Para ser mais concreto, um exemplo que acho bem bom é acreditar em Deus. Acho que é bem claro que acreditar em Deus traz sentimentos de conforto, esperança e auto-estima, uma visão de mundo mais bonita e tal. Mas acho que é mais racional acreditar que deus não existe (como argumentei aqui), e daí todas estas vantagens se perdem. Portanto, é um exemplo de como refletir pode levar a uma vida pior.
E há inúmeros exemplos de desilusões frequentes: perceber que não somos tão aptos, capazes, qualificados e desejados quanto achávamos que éramos, perceber que não vamos conseguir conquistar o que sonhamos, perceber que as pessoas de quem gostamos não são como as idealizávamos, perceber que o mundo é fundamentalmente injusto, perceber como há muito sofrimento no mundo provocado por opções arbitrárias e relativamente fáceis das pessoas, perceber que um indivíduo geralmente terá baixa probabilidade e e muita dificuldade em provocar impacto positivo no mundo, perceber que investimos muito tempo e esforço em opções ruins, perceber como as pessoas são cheias de problemas psicológicos, perceber que eventualmente vamos todos perder nossa saúde, jovialidade e morrer, etc.
Vamos ver o lado bom então, perceber que estávamos iludidos nos traz a um estado novo, no qual formamos uma nova visão das coisas, e com um pouco de sorte uma mais conformada ao modo como as coisas são de fato. Isto evita que soframos novamente por erros cometidos por crenças falsas. Além disso, uma visão supostamente mais realista nos torna mais capazes, mais aptos a entender, a planejar, a decidir melhor, a errar menos. Se pensarmos a longo prazo, podermos ajudar outras pessoas a errar menos também, pode fazer uma grande diferença nos rumos que tomamos em nossas vidas.
Utilitariamente, isto é, considerando o que provavelmente gerará mais bem-estar e menos mal-estar a nossa volta, o que é melhor? Possivelmente isto depende, me parece difícil circunscrever domínios onde se pode refletir e nos quais é melhor se manter como está. Até porque nossas crenças determinam estas probabilidades que estão em jogo. Iludir-se torna-se assim um jogo perigoso e circular. E para os mais altruístas, é bom considerar que nossas crenças influenciam nossas decisões e nossas decisões influenciam outras pessoas, crenças não afetam somente a nós, estamos decidindo o bem de outros também. Em resumo, é difícil, eu não sei e não tenho boas expectativas a respeito =(.
Sendo um pouco mais pragmático, acho que vale a pena pensar naquilo em que investimos mais, afinal, é importante saber o risco que estamos cometendo quando estamos dedicando muitos recursos a um empreendimento. Assim, vale a pena pensar nas coisas que se mostram mais relevantes e presentes na nossa vida prática, e onde temos mais chance de ser afetados e afetar outros por nossos erros. Infelizmente, há um problema envolvido que é que as pessoas geralmente se apegam firmemente a crenças que sustentam coisas importantes em sua vida. Temos uma grande resistência a negar uma visão de mundo colocando assim em risco nosso emprego, status social, relacionamentos e sentimentos (incluindo auto-estima). Provavelmente é por isto que somos tão iludidos e sofremos tanto com decepções.
Talvez um exercício saudável, seja também refletir sobre aquilo que não temos tanto envolvimento ainda, mas que podemos vir a ter, nos parece interessante ou relevante em algum grau; esta parece ser a condição ótima para refletir a respeito, pois a distância dá alguma neutralidade, permitindo que formulemos crenças mais desinteressadas. A única desvantagem é que geralmente tem-se menos conhecimento de coisas que vemos a distância, de maneira que é preciso atualizar esta representação conforme fiquemos sabendo de mais coisas.
Finalmente, como recomendação de tratamento aos pensadores angustiados eu sugiro refletir sobre como administrar a própria angústia. Acho que nosso sistema emocional evoluiu para nos proporcionar condições melhores de sobrevivência, e não temos de ser escravos dele. Quanto melhor conseguirmos administrar nossa experiência emocional, melhor poderemos viver e sobreviver bem. Se isto é desejável e não ocorre naturalmente, parece racional se fazer um esforço direcionado neste sentido*. Se a angústia provém da troca de uma representação do mundo por uma pior, por que não procurar encher nossa vida de representações boas, de maneiras boas de ver o mundo, de experiências que façam a vida mais bonita? Assim como muitas vezes escolhemos refletir ou não, escolhemos também nossa preferência de atitudes e experiências, acho que vale muito a pena investir nisso =).
p.s.: Esqueci de mencionar mais uma desvantagem importante da reflexão, ela muitas vezes deixa a realidade mais feia, mais intragável, faz com que rejeitemos mais as coisas que vemos, que sejamos mais críticos e vejamos mais defeitos. Isto é um efeito colateral bem desagradável. Como tratamento, eu recomendaria procurar formas de lidar com as coisas sem rejeitá-las, procurar encará-las com mais naturalidade (isto é, é natural que sejam desta forma), e considerar não apenas seus aspectos negativos, vê-las como um todo mais integrado. Não rejeitar a realidade, aprender a aceitá-la, me parece uma ótima idéia, aceitá-la como fenômeno, como se apresenta, como ocorrências reais e legítimas, não necessariamente como desejável ou preferível. Me parece que muito do que chamamos de amadurecimento consiste em ver as coisas como são, e não como gostaríamos que fossem.
p.p.s.: Ainda mais uma desvantagem de refletir é que conforme sua visão de mundo e seus critérios de avaliação dele vão se tornando diferentes dos das outras pessoas a sua volta você se sente mais sozinho, pertencendo menos, menos compreendido, com menos afinidade, etc. além de entrar em mais desacordos com os outros. Não sei bem o que se pode fazer em relação a isto, uma coisa é procurar maneiras de lidar e conviver bem com pessoas que pensam muito diferentemente de você, seja influenciando elas ou não; outra é procurar pessoas com quem você tenha mais afinidade, o que infelizmente se torna cada vez mais difícil quanto mais você avança na empreitada.
* Para os mais dedicados, recomendo ler algum livro de psicologia positiva, como Stumbling on happiness (Daniel Gilbert) ou The How of Happiness (Sonja Lyubumirsky), e outros livros de auto-ajuda de qualidade (eles existem!).
Sheldon: The comforting part is that the Germans have a term for what you're feeling.
Sheldon: Weltschmerz.
Sheldon: It means the depression that arises from comparing the world as it is to a hypothetical, idealized world.
Leonard: You're right, I do feel better.
Sheldon: Well, the Germans have always been a comforting people.
Há algum tempo que me pergunto se vale a pena pensar, questionar e refletir sobre as coisas. Isto porque apesar do meu exercício nesta tarefa, muitas vezes me angustiei com minhas conclusões, mais vezes do que me senti melhor por elas. E a reflexão parece ser um valor intelectual consensual, em geral se acredita que refletir sobre as coisas seja bom, por proporcionar esclarecimento, descobertas, quebra de preconceitos e concepções dogmáticas, e uma visão mais realista do mundo. A minha dúvida é se o custo existencial deste processo para o indivíduo não é maior que seu eventual benefício.
Há um tempo considerável que me importo em buscar crenças realistas e justificadas, por achar que distorções na visão de mundo levam a explicações erradas e a investimentos ineficazes (por exemplo, pense nas pessoas que deixam de tratar suas doenças por métodos eficazes, por acreditar em métodos ineficazes; pior ainda no caso de decisões políticas). Partimos neste processo de um estado bastante idealizado do mundo, no qual as coisas são simples, absolutas e puras, gradualmente caminhando para um quadro onde as coisas são complexas, relativas e misturadas. E isto é bem universal, vale para a nossa representação da natureza, da sociedade, das pessoas que fazem parte da nossa vida, dos nossos planos e história de vida, dos nossos sentimentos, da nossa própria identidade, da vida como um todo.
Infelizmente este processo é acompanhado de uma certa angústia existencial: refletir provoca decepções. Não sei se as decepções e desilusões são exatamente mais frequentes do que os alívios, aberturas e libertações, mas me parecem que pelo menos tem um efeito total maior. Ou seja, tende a tornar as pessoas menos felizes. Para ser mais concreto, um exemplo que acho bem bom é acreditar em Deus. Acho que é bem claro que acreditar em Deus traz sentimentos de conforto, esperança e auto-estima, uma visão de mundo mais bonita e tal. Mas acho que é mais racional acreditar que deus não existe (como argumentei aqui), e daí todas estas vantagens se perdem. Portanto, é um exemplo de como refletir pode levar a uma vida pior.
E há inúmeros exemplos de desilusões frequentes: perceber que não somos tão aptos, capazes, qualificados e desejados quanto achávamos que éramos, perceber que não vamos conseguir conquistar o que sonhamos, perceber que as pessoas de quem gostamos não são como as idealizávamos, perceber que o mundo é fundamentalmente injusto, perceber como há muito sofrimento no mundo provocado por opções arbitrárias e relativamente fáceis das pessoas, perceber que um indivíduo geralmente terá baixa probabilidade e e muita dificuldade em provocar impacto positivo no mundo, perceber que investimos muito tempo e esforço em opções ruins, perceber como as pessoas são cheias de problemas psicológicos, perceber que eventualmente vamos todos perder nossa saúde, jovialidade e morrer, etc.
Vamos ver o lado bom então, perceber que estávamos iludidos nos traz a um estado novo, no qual formamos uma nova visão das coisas, e com um pouco de sorte uma mais conformada ao modo como as coisas são de fato. Isto evita que soframos novamente por erros cometidos por crenças falsas. Além disso, uma visão supostamente mais realista nos torna mais capazes, mais aptos a entender, a planejar, a decidir melhor, a errar menos. Se pensarmos a longo prazo, podermos ajudar outras pessoas a errar menos também, pode fazer uma grande diferença nos rumos que tomamos em nossas vidas.
Utilitariamente, isto é, considerando o que provavelmente gerará mais bem-estar e menos mal-estar a nossa volta, o que é melhor? Possivelmente isto depende, me parece difícil circunscrever domínios onde se pode refletir e nos quais é melhor se manter como está. Até porque nossas crenças determinam estas probabilidades que estão em jogo. Iludir-se torna-se assim um jogo perigoso e circular. E para os mais altruístas, é bom considerar que nossas crenças influenciam nossas decisões e nossas decisões influenciam outras pessoas, crenças não afetam somente a nós, estamos decidindo o bem de outros também. Em resumo, é difícil, eu não sei e não tenho boas expectativas a respeito =(.
Sendo um pouco mais pragmático, acho que vale a pena pensar naquilo em que investimos mais, afinal, é importante saber o risco que estamos cometendo quando estamos dedicando muitos recursos a um empreendimento. Assim, vale a pena pensar nas coisas que se mostram mais relevantes e presentes na nossa vida prática, e onde temos mais chance de ser afetados e afetar outros por nossos erros. Infelizmente, há um problema envolvido que é que as pessoas geralmente se apegam firmemente a crenças que sustentam coisas importantes em sua vida. Temos uma grande resistência a negar uma visão de mundo colocando assim em risco nosso emprego, status social, relacionamentos e sentimentos (incluindo auto-estima). Provavelmente é por isto que somos tão iludidos e sofremos tanto com decepções.
Talvez um exercício saudável, seja também refletir sobre aquilo que não temos tanto envolvimento ainda, mas que podemos vir a ter, nos parece interessante ou relevante em algum grau; esta parece ser a condição ótima para refletir a respeito, pois a distância dá alguma neutralidade, permitindo que formulemos crenças mais desinteressadas. A única desvantagem é que geralmente tem-se menos conhecimento de coisas que vemos a distância, de maneira que é preciso atualizar esta representação conforme fiquemos sabendo de mais coisas.
Finalmente, como recomendação de tratamento aos pensadores angustiados eu sugiro refletir sobre como administrar a própria angústia. Acho que nosso sistema emocional evoluiu para nos proporcionar condições melhores de sobrevivência, e não temos de ser escravos dele. Quanto melhor conseguirmos administrar nossa experiência emocional, melhor poderemos viver e sobreviver bem. Se isto é desejável e não ocorre naturalmente, parece racional se fazer um esforço direcionado neste sentido*. Se a angústia provém da troca de uma representação do mundo por uma pior, por que não procurar encher nossa vida de representações boas, de maneiras boas de ver o mundo, de experiências que façam a vida mais bonita? Assim como muitas vezes escolhemos refletir ou não, escolhemos também nossa preferência de atitudes e experiências, acho que vale muito a pena investir nisso =).
p.s.: Esqueci de mencionar mais uma desvantagem importante da reflexão, ela muitas vezes deixa a realidade mais feia, mais intragável, faz com que rejeitemos mais as coisas que vemos, que sejamos mais críticos e vejamos mais defeitos. Isto é um efeito colateral bem desagradável. Como tratamento, eu recomendaria procurar formas de lidar com as coisas sem rejeitá-las, procurar encará-las com mais naturalidade (isto é, é natural que sejam desta forma), e considerar não apenas seus aspectos negativos, vê-las como um todo mais integrado. Não rejeitar a realidade, aprender a aceitá-la, me parece uma ótima idéia, aceitá-la como fenômeno, como se apresenta, como ocorrências reais e legítimas, não necessariamente como desejável ou preferível. Me parece que muito do que chamamos de amadurecimento consiste em ver as coisas como são, e não como gostaríamos que fossem.
p.p.s.: Ainda mais uma desvantagem de refletir é que conforme sua visão de mundo e seus critérios de avaliação dele vão se tornando diferentes dos das outras pessoas a sua volta você se sente mais sozinho, pertencendo menos, menos compreendido, com menos afinidade, etc. além de entrar em mais desacordos com os outros. Não sei bem o que se pode fazer em relação a isto, uma coisa é procurar maneiras de lidar e conviver bem com pessoas que pensam muito diferentemente de você, seja influenciando elas ou não; outra é procurar pessoas com quem você tenha mais afinidade, o que infelizmente se torna cada vez mais difícil quanto mais você avança na empreitada.
* Para os mais dedicados, recomendo ler algum livro de psicologia positiva, como Stumbling on happiness (Daniel Gilbert) ou The How of Happiness (Sonja Lyubumirsky), e outros livros de auto-ajuda de qualidade (eles existem!).
Sheldon: The comforting part is that the Germans have a term for what you're feeling.
Sheldon: Weltschmerz.
Sheldon: It means the depression that arises from comparing the world as it is to a hypothetical, idealized world.
Leonard: You're right, I do feel better.
Sheldon: Well, the Germans have always been a comforting people.