Por que damos valor às vidas humanas? Por que achamos que o mundo deva ser justo? Por que devemos nos importar com a natureza? Quais as motivações das pessoas? E que nome dar a todas as coisas da vida que não entendemos, não sabemos descrever, mas com as quais temos de lidar o tempo todo?




Duas coisas não-óbvias

por Leo

Na continuação da série de posts sobre fenômenos simbólico-linguísticos curiosos ( Existem perguntas que só fazem sentido depois que você sabe a resposta? e Duas coisas que não sei nomear ou definir), trago mais duas:

1) Coisas que só tentamos entender após excluirmos possibilidades.

Esta está bastante relacionada com as tais "perguntas que só fazem sentido depois que se sabe a resposta"; trata-se de frases que só entendemos após alguém nos dizer o que elas não significam, ou de fenômenos que só conseguimos encontrar uma explicação satisfatória após encontrarmos bons motivos para eliminarmos as explicações convencionais.

Isto é especialmente relevante em relação a crenças: muitas vezes só tentamos entender uma nova forma de ver a realidade depois que alguém nos diz que a forma que pensamos não é possível. Há muitos exemplos disso: o ateísmo, a injustiça do mundo, a inexistência de livre-arbítrio. São típicos exemplos de concepções de mundo que normalmente só são refletidas em profundidade após sua alternativa ter sido negada. O que é muito natural, afinal, por que iríamos nos esforçar em buscar uma explicação alternativa menos intuitiva quando temos uma explicação direta? Acho bom termos consciência disso; muitas vezes queremos descartar explicações somente porque não vemos uma maneira imediata de como as coisas ocorreriam segundo elas, e às vezes estas são as certas.

Obs: Notei este fato quando meu orientador deu na prova uma questão que dizia "Marque a alternativa incorreta" seguida de 5 alternativas a última sendo "Existe uma alternativa incorreta". Pensei que a questão estava mal-formulada (pois parecia necessário marcar 2 alternativas), até que ele confirmou que a questão estava correta desta maneira e só então entendi o que a última alternativa queria dizer.

2) Coisas que só podem ser descobertas empiricamente.

Hoje encontrei um calendário de enfeite em que o dia do mês era representado por dois dados com números nas suas faces, um para cada dígito. Fiquei intrigado, afinal, isso aparentemente não é possível; como podemos marcar um número de dois dígitos em base 10 usando dois dados de 6 faces? Depois de examinar os dados e pensar um pouco entendi que de fato é possível, para o caso dos dias do mês (1-31). Entretanto, para isto é necessário que os números nas faces sejam escolhidos de uma maneira muito especial. Então me perguntei, como diabos alguém poderia ter pensado nisso? E conclui que a explicação mais plausível é que a pessoa tenha descoberto esta possibilidade empiricamente, talvez após uma intuição, e provavelmente errando algumas vezes (existe também a explicação menos provável de o calendário ter sido criado por algum matemático esperto). Meu ponto é: Há coisas contra-intuitivas que dificilmente serão encontradas por deduções e especulações puras; é necessário se explorar o mundo empiricamente.

É um problema interessante (e não muito difícil, uma vez que se saiba que tem solução) tentar descobrir quais são os números que cada dado deve ter (dica: 6=9).

Foto retirada de http://blog.forret.com/2007/09/two-dice-make-a-calendar/
onde, a propósito, ele fala uma solução.

Órbitas elípticas: Solução de um trauma de infância

por Leo

Me ocorreu hoje uma problema que me atormentou por muito tempo até que o deixei de lado. O fato é que fiquei bastante desconcertado quando tive contato pela primeira vez com as leis de Kepler; pensei: ora, como assim a força da gravidade torna as órbitas dos planetas elípticas?

Para quem não lembra o que é uma elipse, é a figura formada pelos pontos cuja soma das distâncias até outros dois pontos (chamados focos) é constante. Ela é literalmente uma circunferência achatada (uniformemente). O ponto mais próximo e o mais distante de um foco são os dois pontos mais afastados da elipse (os "bicos").



As leis de Kepler dizem respeito às órbitas planetárias, e Newton posteriormente as deduziu a partir das suas leis da gravitação e da mecânica. Mas não são fatos de compreensão trivial; o enunciado da primeira lei é:

A órbita dos planetas é uma elipse com o Sol em um dos focos.

Por que ela não é circular? O que há no outro foco? São duas perguntas bastante pertinentes. Mas o que realmente me intrigou foi pensar que o planeta vai do ponto mais longe do Sol aproximando-se dele, sendo puxado por ele, e quando finalmente chega no ponto mais próximo, quando a força é mais intensa, começa a se afastar novamente e chega tão longe quanto estava antes. Como pode? Isto realmente não fazia o menor sentido para mim.

Na faculdade essas questões são bem evitadas mostrando-se matematicamente que a órbita é esta mesmo, e dizendo-se que a energia se conserva.

Bom, acho que parte da minha perturbação devia-se a eu não estar acostumado com a noção de conservação de energia. Afinal, todos os sistemas que vemos no mundo são dissipativos ou tem algum fornecimento de energia externa: todos os objetos param de quicar, todos os pêndulos param de oscilar, às vezes até bem rápido. Mas no espaço não há atrito, sem falar que os planetas têm uma inércia (massa) enorme, que custaria muito a parar. Se a energia é constante, a amplitude das oscilações não diminui e portanto, o planeta tem de voltar ao ponto mais longe.

Mas dizer que a energia é constante não responde bem minha inquietude, apenas diz que tem que ser assim. Como o planeta, ao chegar ao ponto mais próximo (periélio), volta a se afastar até atingir o mais distante (afélio)? Notei que uma metáfora interessante para esta questão é pensar por que um pêndulo, ao atingir o mínimo, volta a subir. Ao atingir o mínimo, o pêndulo sobe pois a força do braço do pêndulo (tensão da corda inextensível) muda a direção de sua velocidade. Bom, no caso do planeta, a situação é bem semelhante, no periélio, o planeta está com uma velocidade perpendicular à força, e portanto a força atuará mudando a direção da velocidade. Quanto mais intensa a força, mais rápida é a mudança de direção, de modo que por este raciocínio, se a força da gravidade fosse um pouco maior que 1/d², possivelmente as órbitas não seriam elípticas e os planetas, como eu previa, diminuiriam sua amplitude de oscilação espiralando para o Sol (para a energia se conservar, a velocidade teria de aumentar a cada volta). Isto nos diz que a lei da gravitação é exatamente a suficiente para que órbita seja estável. Ora, isto é algo surpreendente, e se considerarmos que a lei poderia ser outra, é algo extremamente improvável.

Isto me foi confortante, pois achei um ponto de equilíbrio; o meu problema estava no fato de que não é intuitivamente evidente que uma lei de inverso do quadrado da distância tenha essa propriedade, e que me parecia então muito mais provável que ela implicasse num movimento espiralado, como ocorre nos sistemas dissipativos que vemos por aí. Mas ao contrário disso, a lei do inverso do quadrado é exatamente a lei que mantém esta estabilidade, assim, relacionando as duas contingências notáveis, a estabilidade das órbitas e a lei do inverso do quadrado das distâncias, e está resolvido o problema, trata-se de um fato a posteriori, um fenômeno observado, equivalente à própria lei da gravitação (em relação a esta questão).

Existe uma transição que foi um pouco dura para mim em relação à física. O problema é que em algum ponto, é preciso abandonar noções intuitivas do que se está fazendo matematicamente, para se pode utilizar abstrações mais poderosas. Talvez isto não seja realmente um problema, seja só uma questão psicológica de apego à intuição, mas acho que é uma questão um pouco delicada. Afinal, somos muito melhores em saber se estamos fazendo a coisa certa olhando para um gráfico cartesiano do que imaginando bases de auto-vetores em espaços de dimensão infinita. Da mesma forma, enquanto é bastante óbvio que duas retas concorrentes se cruzam em algum lugar, não é óbvio que uma lei do inverso do quadrado gere órbitas estáveis, embora seja facilmente demonstrável matematicamente. Acho que existe sim um problema aí, embora eu não saiba dizer tão bem quão grande e relevante é.

Por hoje é só, outro dia falarei sobre minha antipatia inicial com a trigonometria.