Comunicação Irracional
por Outro corpo em movimentoSó que... fazemos um péssimo uso da nossa comunicação e criamos uma série de pequenos mecanismos que impedem o seu livre uso. Nos esforçamos pra conseguir disfarçar o que sentimos. Que contradição! Talvez sejamos a única espécie que consegue demonstrar tão bem os sentimentos e nos empenhamos em desenvolver métodos pra atrofiar essa capacidade.
Acho que o Leo diria que : se somos assim, deve ser porque evolutivamente “percebemos” que demonstrar os sentimentos não é uma coisa boa, que pode trazer complicações para a nossa sobrevivência.
Essa idéia pra mim seria ingênua. Os nossos comportamentos não são todos pragmaticamente explicáveis. Alguns deles são absurdos, ridículos e impossibilitam sim uma vida mais agradável.
O fato de as coisas acontecerem não é suficiente para validá-las, ou seja, não é porque as coisas acontecem de determinada forma que elas têm uma explicação super bonitinha. As vezes elas são medonhas de verdade, e acho que esse caso da comunicação é um exemplo disso.
Já que estou com essa mania de inventar argumentos científicos, vou sugerir que, instintivamente, teríamos a tendência de falar o que pensamos, porém, por motivos culturais acabamos nos educando pra não falar. As crianças falam o que sentem e pensam, aí são consideradas inconvenientes e perturbadoras, então aprendem a não fazer isso e assim podem conviver muito bem com as outras pessoas. Mas por causa disso (não se expressar livremente) acabamos colecionando um monte de problemas e dificuldades.
Algumas vezes sabemos exatamente o que queremos de uma pessoa, poderíamos dizer a ela diretamente para que ela pudesse pensar e responder se iria ou não ajudar. Mas, o que costumamos fazer é lançar indiretas, insinuações e esperar que a pessoa ofereça aquilo o que bastava que pedíssemos. Complicamos a comunicação, dificultamos, pioramos. É como se pegássemos um instrumento muito bem feito para produzir um lindo som e estragássemos algumas peças, colocássemos obstáculos na saída do som, emfim, fizéssemos com que o instrumento produzisse um som infinitamente menos bonito do que seria capaz de produzir.
No filme “clube da luta” tem uma cena em que um cara diz que vai procurar um hotel para dormir, mas o outro percebe que no fundo ele queria pedir para dormir em sua casa, então ele fala: “pode pedir!”. Este é um ótimo exemplo do que fazemos com tanta freqüência. Era tão simples, bastava pedir, não precisava fazer rodeios, buscando uma maneira de conseguir que o cara oferecesse coincidentemente hospedagem. Geralmente a coisa é tão fácil, nossa linguagem é altamente adequada para que consigamos ser claros e objetivos, mas buscamos um caminho muito mais longo e tortuoso para tentar dizer o que queremos.
Por que temos tanto medo de falar a verdade, sem rodeios, de dizer o que estamos sentindo, o que queremos...? Por que não conseguimos aproveitar o ótimo sistema que dispomos?
Talvez o Leo alegue que não dizemos o que sentimos por medo de magoar os outros, por medo de sermos grossos ou inconvenientes (como as crianças costumam ser), ou pra evitar que surjam más interpretações. Mas isso acontece justamente porque nunca dizemos as coisas, se tivéssemos o hábito de falar claramente, quando alguém ficasse magoado ou se sentisse ofendido, iria dizer, explicar... então aquele que o magoou poderia refletir, se justificar, pedir desculpas, e assim a comunicação fluiria muito bem. Foi isso que eu disse no começo, que nós conseguiríamos estabelecer relações claras e bem resolvidas se não ficássemos criando obstáculos, porque nossa comunicação nos permite fazer isto.É muito difícil de mudar essa tradição (de se comunicar mal) porque quando alguém costuma se expressar livremente, chovem acusações e comentários negativos, pois acho que, incompreensivelmete, a maioria prefere assim como está.